segunda-feira, 12 de novembro de 2018

A NATUREZA SEGUNDO OS SANTOS PADRES.



''[...]O que tudo isto tem a ver com a visão de natureza dos Padres Gregos? Deixe-me explicar citando a interpretação da juventude de Moisés dada por São Máximo o Confessor, um proeminente teólogo bizantino do sétimo século. 

Máximo apresenta Moisés como um modelo se superação das paixões por meio da luta ascética. Na leitura alegórica de Máximo, o Faraó é o diabo; a filha do Faraó, a quem Moisés foi sujeita durante um tempo, são os sentidos; o egípcio que Moisés mata com 'zelo nobre' é o 'modo de pensar que pertence à carne'. 

Quando Moisés deixa o Egito para se tornar um pastor no deserto, as ovelhas por ele guiadas são ''o conjunto de pensamentos que ainda se ligam ao mundo e buscam nele sua satisfação''. Ele os governa e dirige com grande trabalho, levando-os ''através do deserto, que é uma condição privada de paixões e coisas materiais e prazeres, até a montanha do conhecimento de Deus''. 

Finalmente, no fim de suas lutas, Moisés encontra a sarça ardente. Na interpretação da sarça encontramos uma pista de como Máximo entende o mundo natural.

''[Moisés] se tornou merecedor de observar e ouvir com seu Nous o inefável, sobrenatural e divino fogo que está presente, como na sarça, no ser de tudo que existe, ou seja, Deus a Palavra, que nos últimos tempos brilhou da Sarça da Santa Virgem e falou a nós na carne.''

Deus Palavra -- o Logos -- está presente ''no ser de todas as coisas que existem''. Nos últimos dias, como sabemos, esta Palavra tomou a carne da Virgem Maria. A mesma Palavra está presente no mundo natural, mas para percebê-la, para ouvir sua mensagem, se requer a luta ascética e a resultante libertação das paixões. O fogo está para ser visto, mas apenas aqueles com uma visão purificada estão preparados para vê-lo.

Máximo coloca ponto similar em sua discussão da Transfiguração. De acordo com Máximo, não foi, propriamente falando, Cristo quem estava transfigurado quando foi visto em Sua Glória; foram os discípulos que estavam momentaneamente aptos para vê-lo como verdadeiramente era.

"Eles passaram da carne para o espírito antes de deixarem de lado esta vida carnal, pela mudança em seus poderes sensoriais, operada neles pelo espírito, levantando os véus das paixões da atividade intelectual [noética] possuída por eles.'' 

Mais uma vez, são as paixões que devem ser vencidas antes que a verdadeira visão possa ocorrer -- apesar de que neste caso, ''os véus das paixões'' são removidos momentaneamente por uma intervenção miraculosa do Espírito. 

Das muitas camadas de sentido na visão mesma, a única que nos concerne aqui diz respeito às vestimentas de Cristo. Máximo encontra nestas um símbolo ''da própria criação, que uma assunção básica considera de uma maneira limitada como desvelada tão somente aos sentidos enganadores, mas que também pode ser entendido, através da sábia diversidade das várias formas que contém, sob a analogia das vestimentas, sendo o valoroso poder da Palavra geradora que a veste.'' A criação física é a vestimenta da Palavra, da qual a própria Palavra brilha para aqueles que são capazes de ver.

Espero que fique claro destas duas passagens que a visão de natureza dos Padres Gregos diferia da nossa própria. Tendemos a pensar na natureza como um sistema autônomo que pode ser largamente entendido em seus próprios termos. Pode ser necessária a Graça para completá-la ou satisfazê-la, como Aquinas ensinava; apesar disso, a própria noção de ''completar'' mostra que o ponto inicial é a natureza. Daí porque Aquino inicia a Summa pela discussão do quanto podemos conhecer de Deus a partir da razão natural. Penso que é justo dizer -- embora não vá argumentar este ponto aqui -- que esta visão [tomista] de natureza foi uma pré-condição para a emergência da ciência moderna. Historicamente, suas raízes retornam à forte dicotomia entre graça e natureza estabelecida por Agostinho durante a controvérsia pelagiana.

A visão de Máximo é diferente. Ele não pensa na natureza como um sistema autônomo; se assemelha mais como uma sarça queimando com fogo divino, ou uma roupa vestida por Deus e brilhando com sua luz incriada. 

Uma outra metáfora oferecida por Máximo torna esta visão mais clara. Ele diz que as coisas físicas são para Deus como palavras para seus significados. Estudar o mundo físico como uma sistema autônomo faria tanto sentido quanto escrutinar as marcas em um pedaço de papel como se fossem objetos físicos. As marcas não estão lá para serem estudadas em seu próprio direito, mas para serem lidas, de modo que se discirna o significado por trás delas. Se elas não parecem fazer sentido, então a solução é escrutiná-las cada vez mais de perto; é aprender a língua em que foram escritas. O modo pelo qual alguém ''aprende a linguagem'', entretanto, não é o esforço intelectual. É pela purificação de si mesmo das paixões através da luta ascética e da obediência aos mandamentos divinos.''

''Cristianismo Oriental e Ocidental: Algumas diferenças filosóficas'', por David Bradshaw

Universidade de Kentucky.

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