sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Primeiro exegeta cristão

Primeiro exegeta cristão.




Dando continuidade a segunda parte do texto Orígenes é o grande estudioso, com critérios científicos, das Sagradas Escrituras. Antes de tudo, aponta duas dificuldades para o estudo do Antigo Testamento.

Dificuldade de entender a Bíblia muitos mitos, igualmente, no Antigo Testamento existem mitos e expressões divinas antropomórficas.

Mesmo que os cristãos devam manter a Antiga Lei, precisam também interpretar e atualizar seus ensinamentos. A solução é a alegoria como método bíblico.

Interpretação alegórica.

Orígenes desenvolveu um modelo exegético de interpretação alegórica, que permite uma aproximação mais coerentes dos textos bíblicos.

Modelo tipológico: Este modelo é percebido quando personagens do Antigo Testamento. O Antigo Testamento e uma forma simbólica do Novo Testamento, como um livro preparatório para a revelação definitiva da Aliança de Deus com a humanidade. Se havia já a mentalidade que os profetas eram propedêuticos da revelação cristã, esta concepção se alarga, referindo-se aos grandes nomes bíblicos da Antiga Aliança.

Modelo escatológico: a partir da concepção da revelação final, a interpretação do Novo Testamento nos indica as verdades do fim dos tempos. Caminha-se da interpretação literal para o sentido espiritual dos escritos neotestamentários.

Alegoria como rejeição ao gnosticismo.


Partindo do sentido literal das Escrituras, Orígenes aprofunda a interpretação alegórica, servindo-se da filologia, que considera que os próprios escritos expressam o sentido dos textos. Entendamos estes modelos:

Interpretação literal: Na sua obra bíblica mais importante, Hexapla, Orígenes apresenta em seis colunas os textos bíblicos. Estes estudo comparativo das transcrições bíblicas inspiraram Eusébio de Cesaréia e São Jerônimo e é um importante modelo de exegese. O sentido literal conserva o essencial do texto, sendo a referência de toda interpretação bíblica. As palavras permitem atingir o espírito da revelação, como o Corpo de Cristo nos leva ao sentido espiritual do Logos. A palavra escrita - texto sagrado - é como o Corpo de Cristo encarnado, onde habita o Logos divino.

Orígenes faz uma analogia com o corpo humano, para nos fazer entender a interpretação literal da Bíblia:

  • O corpo: do homem expressa o sentido literal, para os cristãos comuns e simples. Neste modelo, a alegria é mais simples e útil, visando a edificação dos cristãos mais simples. É importante na preparação dos fiéis, como iniciantes na fé.


  • A alma humana: se une ao sentido moral, para os cristãos em evolução. Temos aqui a interpretação moral. Este tipo de aproximação da Palavra de Deus é mais elementar e é importante para os cristãos em busca de crescimento. A Sagrada Escritura é atualizada, visando ao crescimento dos cristãos.


O espírito: do ser humano se relaciona com o sentido espiritual, que é o caminho de perfeição. É uma interpretação mais profunda que assume, tantas vezes,no modelo tipológicos, mas também o modelo escatológico e eclesial. Busca na na palavra de Deus exemplos de organização da Igreja.

Mística na teologia de Orígenes.

Nosso encontro com Deus se realiza por meio de nosso encontro espiritual com o Logos divino, que se revela progressivamente na história da humanidade. Sua doutrina lhe fez merecer o título de “fundador da mística cristã”. Todos os seres humanos tendem ao Sumo Bem, que é Deus. Aos poucos cada ser humano vai se identificando com Deus. Pelo pecado, o ser humano perder sua imagem divina. De fato, a imagem não foi perdida, segundo Orígenes, mas somente silenciada pelo pecado. Vencendo o pecado, o ser humano vai se aproximando de Deus. Por intermédio do amor, buscando a união com Deus. Está contemplação, que nasce da verdade, nasce do amor. Está   contemplação permite a cada pessoa participar do Espírito divino, como consequência do destino pessoal. A natureza humana participa do Espírito divino por sua própria natureza. Nisto consiste a superioridade do ser humano sobre toda a criação.

A busca de Deus passa pelo conhecimento progressivo e pela santidade. Passando do conhecimento progressivo para a fé carismática, o ser humano cumpre seu destino: torna-se um homem espiritual.

Marcos Vinícius Faria de Moraes

Convertei-vos a mim.



Convertei-vos a mim de todo o vosso coração (Jl 2,12) e mostrai o arrependimento do espírito por jejuns, lágrimas e gemidos. Para que, jejuando agora, vos sacieis mais tarde; chorando agora, riais depois; gemendo agora, sejais depois consolados.É costume nas tristezas e adversidades rasgar as vestes. Isso fez o Sumo Pontífice para aumentar a acusação contra o Senhor Salvador, segundo conta o Evangelho e fizeram Paulo e Barnabé ao ouvir as palavras de blasfêmia. Assim eu vos ordeno, não rasgueis as vestimentas,mas os corações que estão cheios de pecados, porque quais odres, se não forem rasgados, se romperão por si mesmos. Tendo assim agido,voltai ao Senhor nosso Deus, a quem vossos pecados anteriores vos fizeram afastar-vos. Não desespereis do perdão pela gravidade das culpas, pois grande misericórdia apagará grandes pecados.  

Pois ele é benigno e misericordioso, preferindo a penitência dos pecadores à morte; paciente, de imensa misericórdia, que não imita a impaciência humana, mas espera por longo tempo nossa conversão condescendente ou arrependido do mal que intentara. Se fizermos penitência dos pecados, ele se arrependerá de suas ameaças e não nos fará vir os males que prometeu. Com a mudança de nosso intento, também ele mudará. Não devemos entender aqui “mal” como contrário à virtude e sim como aflição, conforme lemos em outro passo: Basta a cada dia seu mal. E: Se houver na cidade mal que o Senhor não tenha enviado.  

Da mesma forma, por ter dito acima ser benigno e misericordioso, paciente e de imensa misericórdia, condescendente ou arrependido do mal, para que talvez a grande clemência não nos torne negligentes, acrescenta por intermédio do Profeta: Quem sabe se não voltará atrás e perdoará, e deixará após si uma bênção? (Jl 2,13-14). Eu, diz ele, exorto à penitência, pois é o meu dever, e sei que Deus é indizivelmente clemente. Testemunha é Davi: Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua grande misericórdia e segundo a multidão de tua compaixão apaga minha iniquidade (Sl 50,1.3). Como, porém, não podemos conhecer a profundidade das riquezas, da sabedoria e da ciência de Deus, amenizo a afirmação e prefiro desejar a presumir, dizendo: Quem sabe se não voltará atrás e perdoará? Dizendo quem sabe, quer significar ser impossível ou difícil.  

Sacrifício e libação ao Senhor nosso Deus (cf. Jl 2,14). Depois de ter-nos dado a bênção e perdoado nossos pecados, somos capazes de oferecer hóstias ao Senhor.

Do comentário sobre o profeta Joel, de São Jerônimo, presbítero.



(PL25, 967-968)                       (Séc.V)

São José de Arimatéia.



O nobre José, um homem rico e membro do Sinédrio judeu, era secretamente um seguidor de cristo. “Então quando era noite, veio um certo homem rico de Arimatéia, chamado José, que era ele mesmo um discípulo de Jesus” (Mt 27,57). “Então após estas coisas José de Arimatéia, porque ele era um discípulo de Jesus (apesar que secretamente por medo dos judeus, pediu a Pilatos que ele pudesse levar o corpo de Jesus” (Jo 19,38). Junto com Nicodemos, José removeu o corpo de Cristo da cruz e colocou ele em seu sepulcro. Por causa disto, ele foi algemado pelos judeus e lançado na prisão. Mas o Senhor ressuscitado apareceu a ele e convenceu ele de Sua ressurreição. Após isto, os judeus o soltaram da prisão e o baniram da pátria. Ele foi pelo mundo para pregar o Santo Evangelho de Cristo, e estas “boas novas” ele trouxe para a Inglaterra onde ele repousou no Senhor.


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Deus é tudo para nós.




    Escutemos, irmãos, a voz da vida, que nos chama a beber da fonte da vida; Aquele que nos chama não é somente a fonte da água viva, mas também a fonte da vida eterna, a fonte da luz e da claridade; d’Ele procedem todos os bens da sabedoria, da vida e da luz eterna. O autor da vida é a fonte da vida, o criador da luz é a fonte da claridade; por isso, abandonando as coisas visíveis deste mundo e ultrapassando as coisas da terra, busquemos nas alturas do céu a fonte da luz, a fonte da vida, a fonte da água viva, como peixes espirituais e inteligentes, para bebermos a água que jorra para a vida eterna.

    Oh se Vos dignásseis, Deus de misericórdia e Senhor de piedade, fazer-me chegar a essa fonte, para que também eu pudesse beber, com todos os que têm sede de Vós, a água viva na fonte viva e saborear sempre a sua inefável doçura, para nunca mais me separar dela e poder dizer: «Como é doce a fonte da água viva, a nascente inexaurível da água que jorra para a vida eterna!». Senhor, Vós mesmo sois esta fonte, que devemos desejar cada vez mais, sem nunca deixar de beber. Senhor Jesus Cristo, dai-nos sempre dessa água, para que se forme em nosso coração uma nascente de água viva que jorra para a vida eterna. É certamente muito o que Vos peço; quem o ignora? Mas Vós, o Rei da glória, podeis dar grandes coisas e prometestes dons excelentes: nada há maior que Vós mesmo, e quisestes dar-Vos a nós e entregar-Vos por nós.

    Por isso Vos suplicamos que nos ensineis a amar-Vos como devemos. Nenhum bem desejamos fora de Vós mesmo, porque sois tudo para nós: a nossa vida, a nossa luz, a nossa salvação, o nosso alimento, a nossa bebida, o nosso Deus. Infundi em nosso coração, Senhor Jesus, a suavidade do vosso Espírito e feri as nossas almas com o vosso amor, para que a alma de cada um de nós possa dizer com toda a verdade: Dizei-me onde está o meu amado, porque estou ferida de amor.

    Desejo, Senhor, que se grave em mim esta ferida. Ditosa a alma que está ferida deste amor; essa alma procura a fonte e bebe; bebe e tem sempre sede; essa alma procura sempre porque ama, e é curada pela ferida do amor. Digne-Se Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor, médico bondoso, gravar esta ferida salutar em nossas almas, Ele que é um só Deus com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amen.

Das Instruções de São Columbano, abade.





(Instr. 13, De Christo fonte vitae, 2-3:
Opera, Dublin. 1957, 118-120) (Sec. VII).

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Martírio de São João Batista.

Do Livro do Profeta Jeremias             2,1-13.20-23.25

Infidelidade do povo de Deus

1 A palavra do Senhor foi-me dirigida, dizendo:
2 “Vai e grita aos ouvidos de Jerusalém.
Isto diz o Senhor:
Lembro-me de ti, da afeição da jovem,
do amor da noiva,
de quando me seguias no deserto,
numa terra inculta.

3 Israel, consagrado ao Senhor,
era como as primícias de sua colheita;
todos os que dele comiam, pecavam;
males caíam sobre eles”,
diz o Senhor.
4 Ouvi a palavra do Senhor, ó casa de Jacó
e todas as famílias da casa de Israel.
5 Isto diz o Senhor:
“Que maldade acharam em mim vossos pais
para se afastarem de mim
e correrem atrás da falsidade
e se tornarem falsos?
6 Não disseram eles: ‘Onde está o Senhor,
que nos fez sair da terra do Egito,
que nos fez atravessar o deserto,
terras inóspitas e intransitáveis,
terras sem água, poeirentas,
terras onde ninguém morou,
onde não houve povoações?’
7 Eu vos introduzi numa terra de pomares,
para que gozásseis de seus melhores produtos,
mas, apenas chegados, contaminastes o país
e tornastes abominável minha herança.
8 Os sacerdotes nem perguntaram onde está o Senhor.
Os versados na Lei não me reconheceram,
e os chefes do povo voltaram-me as costas,
os profetas profetizaram em nome de Baal
e correram atrás de coisas que para nada servem.
9 Por isso tenho ainda que discutir convosco,
diz o Senhor,
e disputarei com os filhos de vossos filhos.
10 Passai às cidades de Cetim e vede,
tomai contato com Cedar, tentai com esforço
saber se assim aconteceu:
11 se o povo mudou seus deuses,
e saber que de fato esses não são deuses;
pois o meu povo transformou sua glória
em algo que para nada serve.
12 Ó céus, espantai-vos diante disso,
enchei-vos de grande horror, diz o Senhor.
13 Dois pecados cometeu meu povo:
abandonou-me a mim, fonte de água viva,
e preferiu cavar cisternas,
cisternas defeituosas
que não podem reter água.
20 Não é de hoje que quebraste o jugo
e rompeste as amaras
e disseste: ‘Não quero sujeitar-me’.
No alto de qualquer colina
e debaixo de qualquer árvore frondosa,
lá estavas entregando-te à prostituição.
21 Entretanto,és a vinha escolhida que eu plantei,
toda da mais legítima cepa;
como então degeneraste
em rebentos de videira agreste?
22 Ainda que te laves com potassa
e te cubras com folhame de ervas,
perante mim estás manchada pelo teu pecado,
diz o Senhor Deus.
23 Como ainda dizes:
‘Não estou manchada,
não segui a religião dos Baals?’
Vê tuas andanças no Vale,
pensa no que lá fizeste:
eras um camelo novo que anda sem rumo.
25 Não te deixes ficar com pés descalços
nem com a garganta seca.
Disseste: ‘É inútil falar,
não o farei de modo algum;
de fato, gosto de estrangeiros
e gosto de freqüentá-los’”.


Precursor de Cristo no nascimento e na morte.


O santo precursor do nascimento, da pregação e da morte do Senhor mostrou o vigor de seu combate, digno dos olhos divinos, como diz a Escritura: E se diante dos homens sofreu tormentos, sua esperança está repleta de imortalidade (cf. Sb 3,4). Temos razão de celebrar a festa do dia do nascimento daquele que o tornou solene para nós por sua morte, e o ornou com o róseo fulgor de seu sangue. É justo venerarmos com alegria espiritual a memória de quem selou com o martírio o testemunho que deu em favor do Senhor. 

Não há que duvidar, se São João suportou o cárcere e as cadeias, foi por nosso Redentor, de quem dera testemunho como precursor. Também por ele deu a vida. O perseguidor não lhe disse que negasse a Cristo, mas que calasse a verdade. No entanto morreu por Cristo. 

Porque Cristo mesmo disse: Eu sou a verdade (Jo 14,6); por conseguinte, morreu por Cristo, já que derramou o sangue pela verdade. Antes, quando nasceu, pregou e batizou, dava testemunho de quem iria nascer, pregar, ser batizado. Também apontou para aquele que iria sofrer, sofrendo primeiro. 

Um homem de tanto valor terminou a vida terrena pela efusão do sangue, depois do longo sofrimento da prisão. Aquele que proclamava o Evangelho da liberdade da paz celeste, foi lançado por ímpios às cadeias; foi fechado na escuridão do cárcere quem veio dar testemunho da luz e por esta mesma luz, que é Cristo, tinha merecido ser chamado de lâmpada ardente e luminosa. Foi batizado no próprio sangue aquele a quem tinha sido dado batizar o Redentor do mundo, ouvir sobre ele a voz do Pai, ver descer a graça do Espírito Santo. Contudo, para quem tinha conhecimento de que seria recompensado pelas alegrias perpétuas não era insuportável sofrer tais tormentos pela verdade, mas, pelo contrário, fácil e desejável. 

Considerava desejável aceitar a morte, impossível de evitar por força da natureza, junto com a palma da vida perene, por ter confessado o nome de Cristo. Assim disse bem o Apóstolo: Porque vos foi dado por Cristo não apenas crer nele, mas ainda sofrer por ele (Fl 1,29). Diz ser dom de Cristo que os eleitos sofram por ele, conforme diz também: Os sofrimentos desta vida não se comparam à futura glória que se revelará em nós (Rm 8,18).



Das Homilias de São Beda Venerável, presbítero
(Hom. 23:CCL122,354.356-357)                (Séc.VIII)


Orígenes



Orígenes nasceu numa família cristã, em 185  d. C. e testemunha desde a juventude a perseguição   dos poderosos romanos, particularmente  de Sétimo Severo, entre 202 e 203. Seu pai foi martirizado 
neste período  e todo o clero foi expulso e exilado. Foi escolhido  como mestre dos catecúmenos aos 18 anos, pelo bispo Demétrio de Alexandria. Sua conversão  foi radical, levando a desfazer-se de seus livros profanos, vivendo a vida ascética impondo-se a castração, para seguir radicalmente as passagens dos Evangelhos.

Para confrontar, seus grande interlocutores, como intelectuais, lideres  do paganismo e tantas seitas, ordena seus pensamento,   sua pesquisa e seu ensinamento, com maior lógica científica. Por esta aproximação, a filosofia de Platão e, pouco mais tarde, aquele Plotino tornam-se referência na  reflexão teológica. Isso vai perdurar por toda a tradição cristã, atravessando os séculos.

Tem uma equipe de pesquisa e produção de textos, que multiplica seus trabalhos. Conhece a Igreja de Jerusalém, onde conhece o bispo de Alexandria. Trava conhecimento também com Teoctisto de Cesareia. 

Foi ordenado sacerdote  na Palestina e isso desagradou seu opositor, Demétrio de Alexandria. Estas contendas o levarão a acusações de heresias. Precisou defender sua ortodoxia, que era colocada em dúvida, devido a acolhida aos sistemas filosóficos na elaboração de sua teologia.

É forçado a deixar Alexandria. Em Cesareia, na Palestina, escreve homilias sobre os textos escriturísticos. Sua presença transforma Cesareia num grande centro intelectual e teológico do cristianismo. Mesmo no Egito se encontraram manuscritos de Orígenes.

Foi perseguido e preso com muitos cristãos, sob o governo de Décio. Mesmo sobrevivendo, poucos anos mais tarde faleceu (253-254). É o grande inspirador dos padres capadócios ( São Basílio, São Gregório de Nissa e São Gregório o Teólogo), de  Santo Ambrósio de Milão e de São Jerônimo.

Obras e pensamento:


Dos princípios: em 4 Livros , procura os princípios da fé cristã. Neste ensaio teológico-bíblico, apresenta metodicamente uma visão de Deus, do mundo e do ser humano. Sendo um grande exegeta, serve-se das Escritura e da Tradição eclesial. E peculiar, no sentido de que não apresenta verdades fechadas, mas apresenta suas hipóteses e argumentos. Assim, por exemplo, quando fala do destino do humano, sem tomar uma decisão, afirma que a Escritura revela ressurreição da carne, enquanto Platão afirma que a matéria não atinge a contemplação.



Anotações: são breves explicações das passagens bíblicas. Orígenes tomava os textos mais difíceis e atrativos e os explicava. Temos apenas testemunho da existência destes textos.


Homilias: explicações de passagens do Antigo Testamento e dos Evangelhos, escritos em seu tempo de permanência em Cesaréia. Restam em grego 20 homilias sobre Jeremias e do livro de Samuel (1Sm, 28, 3s). Temos ainda partes das homilias de São Lucas e São Mateus. Jerônimo e Rufino traduziram estás homilias, sobretudo do Antigo Testamento.

Comentários: um outro modelo de escritos são os comentários de São Mateus, de João (em língua grega) e do Cântico dos Cânticos (em latim). Também comentários da Epístola aos Romanos.


Hexapla: está obra de Orígenes revela seu grande conhecimento filológico dos textos bíblicos. E o pioneiro da crítica e expressa sua habilidade na interpretação alegórica da Palavra de Deus. Orígenes manifesta seu interesse pelos textos tal qual foram escritos e transmitidos. Surgem assim o estudo cientifico da sagrada Escritura, a exegese.


Contra Celsum: Considera a melhor obra apologética do período Patrístico, e a defesa da fé  cristã mais bem elaborada. mais que refutar as críticas de Celso, um filosofo platônico. Orígenes nos faz compreender a importância da razão no cristianismo. o cristianismo não e uma fé sem razão, mas uma profunda filosofia que nos leva a transcendência esta e uma obra marcante da teologia de Orígenes. Celso um filosófo platônico que escreveu uma obra chamada ¨Discurso verdadeiro¨, na qual ataca os cristãos e seus dogmas sem conhecer esta obra, sabemos que seu autor condena o povo hebreu e suas escrituras. condenando o povo hebreu, afirma que os livros do Antigo Testamento são lendas e não são dignas de Deus.


Celso conta uma historia  estranha sobre Jesus: Jesus é filho de um soldado romano de nome Panter, que seduziu uma jovem hebraica. foi expulso e se refugia  no Egito, onde aprende as artes mágicas. no seu retorno a Palestina, com seu truques e magias, inicia movimento e faz-se proclamar Filho de Deus. Celso acusa Jesus de ser um andarilho, vagabundeando com os pescadores e pecadores como mendigos e pedindo esmolas. se era o Deus, por que se deixou prega na cruz? Afirma ainda que a ressurreição é uma fabula, semelhante as outras narrativas  de ressurreição da literatura gregas,  acusa seus seguidores de charlatões e enganadores do povo. Certamente este filosófo  estava indignado contra os cristão,  que se propagavam rapidamente.


Orígenes defende os cristãos, afimarndo que eles tem uma fé simples, mas com conhecimento elevado e profundo mostra ainda que muitos cristãos mudaram de vida e abandonaram a vida de maldades anteriores a conversão acusa Celso de  manipular os textos da Escrituras para justificar suas críticas. O povo tem uma fé simples, mas verdadeira, conforme sua formação intelectual e suas possibilidades.


Marcos Vinícius Faria de Moraes

Ora essas três paixões são, no dizer da Escritura, as três filhas diletas de uma sanguessuga, amadas carinhosamente por uma mãe insensata (cf. Pr 30,15-16).



Ora essas três paixões são, no dizer da Escritura, as três filhas diletas de uma sanguessuga, amadas carinhosamente por uma mãe insensata (cf. Pr 30,15-16).

São elas que, numa espécie de trindade maléfica, embotam em nós tanto a gnose como a fé, essas duas acompanhantes da nossa natureza.

São ainda elas que estão na origem do terror, da cólera, das guerras, dos homicídios, e dos outros males que têm prevalecido entre os homens.

Devemos, por conseguinte, odiá-las, vendo nelas aquilo que elas são: mães dos males e madrastas das virtudes.

É por causa delas que nos foi ordenado não amar o mundo nem o que no mundo está. Tenha-se, porém, presente que um tal interdito de nenhum modo implica odiar as criaturas de Deus. Um ódio dessa estirpe atingiria o paroxismo da insensatez, pois seria negação do Evangelho. Com um tal interdito o que se pretende é mergulhar no âmago das causas dessas três paixões e cortá-las pela raiz.

E não nos esqueçamos da advertência essencial: todo aquele que vai combater de nenhum modo se pode embaraçar com as coisas desta vida (cf. 2Tm 2,4). De onde se deduz ser insensato aquele que, não obstante estar maniatado por tais coisas, nutre a ilusão de que vai sair vencedor das paixões. Um homem desses assemelha-se àquele que pretende extinguir um incêndio lançando mão de... palha!

+ S. Marcos, o Asceta, "Duzentos textos sobre a lei espiritual", 101-107. (Pequena Filocalia. Paulinas, 2017, pp. 179,180.)

terça-feira, 28 de agosto de 2018

O objeto da guerra contra as paixões é a impassibilidade - estado abençoado atingido por muitos Santos.





"Aquele que tornou-se um amante de Deus e pretende participar, ainda que imperfeitamente, na impassibilidade de Deus, na santidade espiritual, na serenidade, quietude e humildade, e experimentar o gosto de júbilo e alegria que nasce dessas virtudes, deve esforçar-se em conduzir seus pensamentos às coisas divinas com olhos claros e desanuviados, fruindo insaciavelmente a Luz Divina. Um homem que tenha implantado essa atitude em sua alma torna-se deus, na medida em que isso seja possível, e é amado e recebido por Ele como alguém que corajosamente tomou para si esse trabalho grande e difícil. Ele torna-se capaz, apesar de sua natureza ainda estar ligada à matéria, de conversar com Deus enviando-lhe pensamentos puros despidos de paixões carnais"(São Basílio, o Grande).

Isso não significa que alguém que seja impassível nunca sinta nenhuma paixão. Ele ainda tem uma natureza decaída, e a terá até a morte. Assim, por serem as paixões inextrincavelmente parte dessa natureza, elas devem ser conquistadas, nunca porém desarraigadas.

"A impassibilidade não impede que seja atacado pelos demônios pois se esse fosse o caso, nós sairíamos fora do mundo (I Co. 5, 10). Melhor explicando, ser impassível significa perma­necer-se inconquistado quando atacado. E assim, como os guerreiros com armaduras ouvem o som de setas sibilantes quando são atacados, mas permanecem sem ferimentos dada a resistência das armaduras, imunes na batalha, assim também permaneceremos se estivermos vestidos com justiça na armadura da luz e com o elmo da salvação" (Diadochus).

"Graças a muitos tipos de virtudes, visíveis ou invisíveis, que os santos adquiriram, as paixões perdem poder sobre eles não podendo assim levantarem-se facilmente para atacá-los. Desse modo, a mente não precisa mais ficar prestando atenção nas paixões e pode ser ocupada com pensamentos, estudos e investigando as mais perfeitas contemplações... Assim que as paixões começam a se mover e serem excitadas, a mente é subitamente elevada por cima delas por uma percepção das coisas Divinas. Então, as paixões permanecem sem efeito" (São Isaac, o Sírio).

"As almas, que tem por Deus um amor ardente e insaciável, estão destinadas à vida eterna, por essa razão a libertação das paixões é concedida a elas e elas obtém perfeitamente a radiosa participação da inexprimível e mística amizade do Espírito Santo, a plenitude da Graça" (São Macário, o Grande - Homily 10).


"Como o céu é adornado pelas estrelas, a impassibilidade, é adornada pelas virtudes; pois a impassibilidade é nada mais do que o céu interno na mente, onde os jogos e armadilhas dos demônios são encarados como simples brinquedos. E assim o verdadeiro impassível é aquele que... elevou sua mente acima de todas as coisas criadas e subjugou todos os seus sentidos, mantendo sua alma na presença de Deus, dirigindo-se sempre para Deus mesmo quando isso está além de suas forças... Aquele a quem foi concedido tal estado, enquanto ainda no corpo, tem Deus sempre habitando nele como seu Guia para todas as palavras, atos e pensamentos... O impassível não vive mais, mas é Cristo que vive nele (Gal. 2, 20)" (São João Clímaco - A EscadaSanta).

Domingo da Cruz

Em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém



No Evangelho de hoje, o Senhor nos diz que se quisermos ser seguidores de Seus discípulos, devemos tomar nossas cruzes e segui-Lo. E quando pensamos na Cruz do Senhor, pensamos em Sua gradual e dolorosa subida na Cruz, pensamos no caminho da Cruz, no caminho de Sua morte. Em verdade, o Senhor nos chama, se queremos ser-Lhe fiéis, se quisermos ser Seus discípulos, a preparar a caminhada inteira com Ele – quer dizer, todo o caminho.



No entanto, por outro lado, devemos nos lembrar que Ele não nos chama a seguir uma senda que Ele próprio não tenha trilhado. Ele é o Bom Pastor, que anda a frente de Seu rebanho, deixando claro que tudo está claro, que os perigos foram removidos, que podemos andar seguros em Seus passos. Sua chamada a tomarmos nossas cruzes e seguirmo-Lhe é um chamado, ao mesmo tempo, a aceitar a sermos verdadeiros discípulos e também a fazermos isto na certeza de que Ele nunca pedirá de nós aquilo que Ele próprio não pode suportar. Podemos segui-Lo com segurança, mas também com um sentido de paz em nosso coração e nossa mente.



E ainda, o que se segue não está desprovido de tragédia, porque para ser discípulo de Cristo, devemos, tal como a leitura da Epístola em nosso Batismo nos indica, morrer com Ele a fim de ressuscitarmos com Ele. Morrer significa renunciar, num ato de lealdade, de amizade, de solidariedade com Ele, de respeito e veneração por Ele, de reconhecimento do custo de Seu amor por nós, renunciar a tudo que causa a Sua morte. Devemos refletir em tudo que está no interior de nós que nos afasta de Deus, indignos de nós próprios, indignos de Seu amor.



E quando descobrimos, o que quer que seja, decidimos rejeitar para fora de nossas vidas. Podem ser coisas que parecem fáceis, ou pequenas, pode ser coisas que são pesadas e difíceis a rejeitar. Mas devemos imaginar que coisas que parecem ser pequenas nos separam de Deus daquelas coisas que parecem ser grandes para nós. Existe uma história na vida de um asceta a quem duas pessoas vieram; uma cometeu um pecado grave e a outra reconheceu somente uma multidão de pequenos pecados. E para lhe fazer entender que ambos os problemas podem ser destrutivos para a vida delas, disse a primeira para se dirigir a um campo e encontrar o maior pedregulho que pudesse encontrar e trazê-lo, e à outra que colhesse seixos por toda parte. A primeira facilmente encontrou um pedregulho e o trouxe; a outra também encontrou facilmente uma enorme quantidade de seixos. E quando voltaram, ele lhes disse, e agora vão e coloquem de volta exatamente onde encontraram. O primeiro que tinha trazido o grande pedregulho encontrou com facilidade o lugar, pois que estava profundamente impresso na terra. O outro, depois de horas e horas, retornou com todos os seixos, porque tinham sido colhidos por acaso, sendo assim impossível encontrar o local. Assim se passa com nossos pecados: não existe nada que seja pequeno, e não existe nada que seja grande, se – e este ‘se’ é importante – se não encontrarmos lugar para colocá-lo de lado, para rejeitá-lo.



Então, vamos refletir nisto. Nas semanas de preparação à Quaresma, fomos confrontados em seguidas parábolas, em seguidas leituras com imagens de pecado; a cegueira de Bartimeu, o orgulho do Fariseu, a rejeitar seu pai – nosso Deus! – por parte do filho pródigo; confrontamo-nos com a leitura do julgamento no qual fica tão claro que não seremos julgados pela fé em que professamos, mas antes se somos humanos durante nossas vidas, mesmo que simples humanos, perceptivos, cruelmente sensíveis aos sofrimentos de outras pessoas, e o que quer que tenhamos feitos a elas, nossos próximos, tudo que pode ser feito, se amamos o nosso próximo de tal forma como quiséramos ser amados. Então fomos confrontados com os dias finais deste período de preparação, quando semana à semana, o crepúsculo e a escuridão revelados dentro de nós mesmos pelas leituras que se realizaram. Tivéssemos a honestidade de responder à mensagem de Deus?



Em seguida franqueamos em um novo período de tempo, na própria Quaresma, no próprio Jejum; período que é chamado ‘a primavera’ – porque isto significa a palavra ‘quaresma’, um tempo de renovação e de novidade, um tempo em que Deus pode fazer novas as coisas passadas se permitirmos que Ele o faça. Confrontamo-nos com o Domingo da Ortodoxia, o Triunfo da Ortodoxia quando a Igreja proclama que Deus Se tornou homem, que o homem é tão grande, tão vasto, e tão precioso para o Deus que deu Sua própria vida por ele, um Deus de amor sacrificial, um Deus que foi preparado a viver e a morrer por nós porque nos valoriza muito.



E então, o Domingo seguinte, aquele de São Gregório Palamas – a proclamação do fato de que somos verdadeiramente chamados participantes da divina natureza de acordo com a promessa e a palavra de São Pedro em sua Epístola: que Deus quer dar-Se a nós, que a graça divina é o Próprio Deus derramando-Se sobre nós e nos dando uma possibilidade, uma chance, se somos ao menos capazes de responder a isto, em fazer d´Ele o nosso Rei, entroná-Lo como Juíz e Regente de nossa mente, como Aquele que dirige nosso coração, Aquele cuja vontade é a nossa vontade, Aquele que pode purificar-nos mesmo até em nossos corpos de todos os pecados espirituais e carnais.



E agora, veremos um após o outro que a graça de Deus aceita, heroicamente recebida, pode fazer nas pessoas: na pessoa de São João o Clímaco, na pessoa de Santa Maria do Egito, na pessoa de cada pecador lembrado nestes dias, e quem pelo poder, e a graça, e o amor de Deus, mas também, por sua resposta heroica, de todo-coração e sincera provou ser capaz de receber o que Deus estava dando.



E então, virá a Grande Semana Santa; e da luz que irradiou como uma promessa, fraca ou demasiadamente nos Santos, veremos a luz que cega do amor Divino encarnado, daquilo que significa Deus ao dizer que Ele nos ama. E ainda, isto é julgamento, porque se os homens, mulheres, crianças frágeis como nós podem responder como os Santos fizeram, o que diremos a Deus se não respondermos de acordo com Seu próprio amor crucificado e sacrificial?



E então, da escuridão do pecado revelado em nós, à luz da Divina Graça que irradiou através dos Santos e nos Santos, alcançaremos a luz pura, perfeita, revelada em Deus e em cada estágio nos é dito por Deus: vás responder a isto? Não é o horror das trevas suficiente para te fazer tremer? Não é esta visão do que se deve ser feito suficiente para te inspirar? Minha Própria vida e morte por ti não são suficientes para te porem em movimento? É-nos dado uma chance depois da outra para respondermos: vamos fazer isto! Apressemo-nos em fazê-lo! Existe uma passagem no Grande Cânone na qual se diz, Que a mão de Moisés coberta com lepra te convença que Deus pode purificar tua própria vida tomada pela lepra... Sim – se a lepra pode ser limpa pela ação de Deus, toda lepra que nos mancha, destrói-nos na alma, no corpo, que mina a pureza de nosso coração, a escuridão de nossa alma, torna a nossa vontade infiel à nossa própria vocação e ao chamado de Deus, tudo pode ser curado.



E então podemos ingressar nestes dias com esperança, porque um suspiro do Publicano foi suficiente para fazê-lo filho do Reino, restaurando-o em sua plenitude. Tragamos ao menos um suspiro do fundo de nosso coração – e a salvação é nossa.... Glória a Deus, Glória a Deus em todas as coisas.... Amén.



Homilia no Domingo da Cruz – Santa e Grande Quaresma

pelo Metropolita Anthony Bloom de Sourouzh


Festa Da Dormição Da Santíssima Mãe De Deus.

28 de Agosto 2018 (CC) / 15 de Agosto (CE)



Eis o que a Igreja recebeu da antiga tradição patrística, em relação à Dormição da Toda Santa Mãe de Deus:

Chegado o tempo em que era agradável a Nosso Senhor conduziu para junto de Si sua divina Mãe, Ele anuncia-lhe, através ao Arcanjo Gabriel, três dias antes, de sua passagem desta vida transitória à vida eterna e bem-aventurada. Ouvindo a mensagem, a Virgem dirigiu-se ao monte das Oliveiras para orar e agradecer a Deus. Depois retorna à sua casa e prepara o necessário ao seu enterro. Entretanto, os Apóstolos, avisados pelo Espírito Santo e transportados em nuvens luminosas, reúnem-se na casa da Santa Virgem, vindos das mais diferentes extremidades da terra, onde se encontravam, dispersos, a pregar o Evangelho. Ela lhes explica, então, a razão daquele chamado tão inesperado, os consola maternalmente e depois levanta as mãos aos céus, ora pela paz no mundo, abençoa os Apóstolos e, subindo ao leito, cruza os braços e rende assim sua alma toda santa às mãos de seu Filho e seu Deus.

Os Apóstolos conduzem o seu santo Corpo e o enterram no Getsêmani. Porém, três dias mais tarde, durante uma reunião onde, segundo o hábito, partiam o pão em nome de Jesus, a Virgem lhes aparece no Céu e lhes diz: “Salve!” Eles assim ficam sabendo que ela subira aos céus com o seu corpo.

A festa de hoje tem por origem o aniversário da dedicação de um Santuário da Virgem, situado entre Jerusalém e Belém, que comemorava, talvez, uma “estação” onde, segundo as tradições, a Virgem Maria, fatigada da viagem, teria repousado antes de chegar a Belém para dar à luz à criança.

A celebração dessa solenidade no dia 15 de agosto foi fixada com um edito do Imperador do Oriente, Maurício (582-602), confirmando uma tradição, sem dúvida, mais antiga. 

A primeira evidência clara acerca dessa festa remonta à época do 3° Concílio Ecumênico em Éfeso (431). No entanto, essa evidência refere-se a uma festa pré-existente da Dormição de Maria. No início do 5° século, por exemplo, uma antologia armênia chama o 15 de agosto “o dia de Maria, a Mãe de Deus.” Porém, festas desse tipo tanto no Oriente quanto no Ocidente eram dedicadas à memória de Maria em geral e não à sua Dormição, em particular. Gradualmente, entretanto, essas festas começam à convergir para o dia presumível de sua morte, 15 de agosto, talvez como resultado indireto da construção, no Getsêmani, de uma igreja em sua honra, que incluía seu próprio túmulo, segundo a Tradição. Ao final do século VI, no entanto, a festa de Dormição foi estendida a todo Império Bizantino, pelo Imperador Maurício. No Ocidente, a festa foi introduzida, juntamente com outras três festas marianas, pelo papa Sérgio I, coincidindo as datas de sua celebração.  

A Festa da Dormição da Santíssima Mãe de Deus, “Kóimésis” em grego e “Uspénie” em eslavo eclesiástico, palavras que aludem justamente ao ato de dormir, tem como tradicional representação iconográfica a Virgem estendida no leito de morte, rodeada pelos Apóstolos para o último sono vindos prodigiosamente dos lugares onde pregavam o evangelho, tendo ao centro Jesus Cristo que acolhe a sua alma, representada como uma menina envolta em faixas e por Ele sustentada.

A partir do dia 1º de agosto, a Igreja prepara-se para a festa com um jejum (do qual também fala São Teodoro Estudita, morto no ano 826); e dado que, além da pré-festa do dia 14 de agosto, os textos litúrgicos falam do trânsito de Maria Santíssima ao céu até o dia 23 de agosto, pode-se afirmar que este é o mês mariano dos Fiéis Ortodoxos.

A Igreja Ortodoxa não comunga do "dogma" romano da Assunção de Maria. Até o meado do séc. XX a Igreja Romana também não professava essa doutrina. Foi o Papa Pio XII que definiu solenemente o dogma da Assunção no dia 1 de novembro de 1950 por meio da Constituição “Munificentissimus Deus”.



«...Eis aquela cuja festa celebramos hoje em sua santa e divina Dormição.»

Acorrei, pois, e subamos a montanha mística. Ultrapassando as imagens da vida presente e da matéria, penetrando na treva divina e incompreensível, ingressando na luz de Deus, celebremos o seu infinito poder. Aquele que, de Sua transcendência superessencial e imaterial, desceu ao seio virgíneo para ser concebido e Se encarnar, sem deixar o seio do Pai; aquele que através da Paixão marchou voluntariamente para a morte, conquistando pela morte a imortalidade e voltando ao Pai; como não pôde ele atrair ao Pai sua Mãe segundo a carne? Como não elevaria da terra ao céu aquela que fora um verdadeiro céu sobre a terra?

Hoje a escada espiritual e viva, pela qual o Altíssimo desceu, se fez visível e conversou entre os homens (Baruc 3:38): ei-la que sobe, pelos degraus da morte, da terra ao céu.

Hoje a mesa terrestre que sem núpcias trouxera o Pão Celeste da Vida e a Brasa da Divindade, foi levada da terra aos céus; e para a Porta oriental - para a Porta de Deus - se ergueram as portas do céu.

Hoje, da Jerusalém terrestre, a Cidade viva de Deus foi conduzida à Jerusalém do Alto; aquela que concebera como seu primogênito e unigênito o Primogênito de toda a criatura e o Unigênito do Pai, vem habitar na Igreja das primícias (Hb 12, 23); a Arca do Senhor, viva e racional, é transportada ao repouso de seu Filho (Sl 132:8).

As portas do paraíso se abrem para acolher a terra portadora de Deus, onde germinou a Árvore da Vida Eterna, redentora da desobediência de Eva e da morte infligida a Adão. É o Cristo, causa da vida universal, quem recebe a gruta escondida, a montanha não trabalhada, donde se destacou, sem intervenção humana, a pedra que enche a terra.

Aquela que foi o leito nupcial onde se deu a Divina encarnação do Verbo, veio repousar em túmulo glorioso, como em tálamo nupcial, para de lá se elevar até a câmara das núpcias celestes, onde reina em plena luz com seu Filho e seu Deus, deixando-nos também como lugar de núpcias seu túmulo sobre a terra. Lugar de núpcias, esse túmulo? Sim, e o mais esplendoroso de todos, a refulgir não por revérberos de ouro, de prata ou de gemas, porém pela Divina Luz, irradiação de Espírito Santo. Proporciona, não uma união conjugal aos esposes da terra, mas a vida santa às almas que se prendem pelos laços do Espírito, proporciona uma condição junto de Deus, melhor e mais suave que outra qualquer.

Seu túmulo é mais gracioso do que o Éden: neste, sem querermos repetir tudo o que lá se passou, houve a sedução do inimigo, sua mentira apresentada como conselho amigo, a fraqueza de Eva, sua credulidade, o engodo - doce e amargo - ao qual seu espírito se deixou prender e pelo qual em seguida aliciou o marido; a desobediência, a expulsão, a morte, mas - para não trazermos com tais lembranças assunto de tristeza à nossa festa - houve o túmulo que elevou ao céu o corpo de um mortal, ao contrário daquele primeiro jardim, que derrubou do céu nosso primeiro pai. Pois não foi ali que o homem, feito à imagem Divina, ouviu a sentença: «Tu és terra e em terra te hás de tornar?» (Gn 3, 19)

O túmulo de Maria, mais precioso que o antigo tabernáculo, encerrou o candelabro espiritual e vivo, brilhante de Divina luz, a Mesa Portadora de Vida, que recebeu, não os pães da proposição, mas o pão celeste, não o fogo material mas o fogo imaterial da Divindade.

Esse túmulo é mais feliz que a arca mosaica, pois teve por partilha a verdade, já não as sombras e as figuras; acolheu a urna áurea do maná celeste, a mesa viva do Verbo encarnado por obra do Espírito Santo, dedo onipotente de Deus, Verbo subsistente; acolheu o altar dos perfumes, a brasa divina que aromatizou toda a Criação.

Fujam portanto os demônios, gemam os míseros nestorianos - como outrora os egípcios - com seu chefe, o novo faraó, o cruel flagelo, o tirano, pois foram engolidos pelo abismo da blasfêmia. Nós, porém, salvos, que atravessamos a pé enxuto o mar da impiedade, cantemos à Mãe de Deus o canto do Êxodo. Miriam, que é a Igreja, tome nas mãos o tamborim e entoe o hino de festa; saiam as jovens do Israel espiritual com tamborins e coros (Ex 15, 20), exultando de alegria! Que os reis da terra, os juízes e os príncipes, os jovens e as virgens, os velhos e as crianças, celebrem a Mãe de Deus! Que reuniões e discursos de toda espécie, raças e povos na diversidade de suas línguas, componham um cântico novo! Que o ar ressoe de flautas e trombetas espirituais, inaugurando com brilho de fogos o dia da salvação! Alegrai-vos, ó céus, e vós, nuvens, fazei chover a alegria! Saltai, novilhos do rebanho eleito, apóstolos divinos que, como montanhas altas e sublimes, aspirais às mais altas contemplações; e vós, também, ó cordeiros de Deus, povo santo, filhos da Igreja, que pelo desejo vos alçais como colinas até as altas montanhas!...

...Eis a Virgem, filha de Adão e Mãe de Deus: por causa de Adão entrega seu corpo à terra, mas por causa de seu Filho eleva a alma aos tabernáculos celestes! Santificada seja a Cidade santa, que acolhe mais essa bênção eterna! 

Que os anjos precedam a passagem da divina morada e preparem seu túmulo, que o fulgor do Espírito a decore! Preparai aromas para embalsamar o corpo imaculado e repleto de delicioso perfume! Desça uma onda pura a fim de haurir a bênção da fonte imaculada da bênção! 

Alegre-se a terra de receber o corpo e exulte o espaço pela ascensão do espírito! Soprem as brisas, suaves como o orvalho e cheias de graça! Que toda a criação celebre a subida da Mãe de Deus: 

Os grupos de jovens em sua alegria, a boca dos oradores em seus panegíricos, o coração dos sábios em suas dissertações sobre essa maravilha, os velhos de veneráveis cãs em suas contemplações. Que todas as criaturas se associem nessa homenagem, que ainda assim não seria suficiente. 

Todos, pois, deixemos em espírito este mundo com aquela que dele parte. Sim, todos, pelo fervor do coração, desçamos com a que desce à sepultura e ali nos coloquemos. Cantemos hinos sacros e nossas melodias se inspirem nas palavras: «Rejubila-te, cheia de graça, o Senhor é contigo!» 

Permanece na alegria, tu que foste predestinada a ser Mãe de Deus. 

Permanece na alegria, tu que foste eleita antes dos séculos por um desígnio de Deus, germe divino da terra, habitação do fogo celeste, obra-prima do Espírito Santo, fonte de água viva, paraíso da Árvore da Vida, ramo vivo que portas o Divino fruto, donde fluem o néctar e a ambrosia, rio de aromas do Espírito, terra produtora da Divina espiga, rosa resplandecente da virgindade, donde emana o perfume da graça, lírio da veste real, ovelha que geras o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, instrumento de nossa salvação, superior às potências angélicas, serva e Mãe!...”



Trechos da Homilia de São João Damasceno

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