O SÁBADO DE LÁZARO
“Tendo completado o percurso dos 40 dias... nós suplicamos ver a Semana Santa da tua paixão.”
É com essas palavras, cantadas nas vésperas da sexta-feira de Ramos, que termina a quaresma, e que entramos na comemoração anual dos sofrimentos de Cristo, de sua morte e de sua ressurreição. Ela começa no sábado de Lázaro. A festa da ressurreição de Lázaro, somada à da entrada do Senhor em Jerusalém, é chamada nos textos litúrgicos: “Prelúdio da Cruz.” É portanto no contexto da grande semana que o significado desta festa dupla fica mais claro. O tropário comum à esses dois dias nos diz:
“Ressuscitando Lázaro, o Cristo confirmou a verdade da Ressureição Universal.”
Aqueles que estão familiarizados com a liturgia ortodoxa, conhecem o caráter singular e paradoxal dos ofícios desse sábado de Lázaro. Esse sábado é celebrado como um domingo, quer dizer que se celebra aí o ofício da Ressurreição quando, normalmente, o sábado é consagrado à comemoração dos defuntos. A alegria que ressoa no ofício sublinha o tema principal: a vitória próxima de Cristo sobre o Hades. Na Bíblia, o Hades significa a morte e seu poder universal, a noite inevitável e a destruição que traga toda a vida, envenenando com suas trevas devastadoras o mundo inteiro. Mas eis que, pela ressurreição de Lázaro, “a morte começa a tremer”; é o começo de um duelo decisivo entre a vida e a morte, um duelo que nos dá a chave de todo o mistério litúrgico da Páscoa. Para a Igreja primitiva, o sábado de Lázaro era, o “anúncio da Páscoa”; de fato, esse sábado proclama e já faz aparecer a maravilhosa luz e a paz do sábado seguinte: o grande e santo Sábado, o dia do túmulo vivificante que dá a vida.
Compreendemos logo que Lázaro, “o amigo de Jesus,” personifica cada um de nós e toda a humanidade, e que Betânia, “a casa” do homem Lázaro, é o símbolo de todo o universo, habitat do homem. Todo homem foi criado amigo de Deus e chamado a esta amizade divina que consiste no conhecimento de Deus, na comunhão com ele, o compartilhar da mesma vida: “A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens” (João 1:4). E portanto este amigo bem amado de Deus, criado por amor, ei-lo destruído, aniquilado por um poder que Deus não criou: a morte. Deus é afrontado em sua obra por um poder que a destrói e torna nulo seu desígnio. A criação é apenas tristeza, lamentação, lágrimas e finalmente morte. Como é possível? Essas questões se encontram latentes no texto detalhado que João nos faz da vinda de Jesus à tumba de seu amigo. “Uma vez chegado à tumba de seu amigo,” diz o evangelista, “Jesus chorou” (João 11:35). Por que ele chora, uma vez que ele sabe que dentro de um instante ele ressuscitará Lázaro à vida?
Os hinógrafos bizantinos não souberam compreender o sentido verdadeiro dessas lágrimas, atribuindo-as à sua natureza humana, uma vez que, de sua natureza divina ele detinha o poder de ressuscitar os mortos. Entretanto, a Igreja ortodoxa ensina claramente que todas as ações de Cristo são teândricas, isto é, ao mesmo tempo divinas e humanas, sendo as ações do único e mesmo Deus-Homem, o Filho de Deus encarnado. É o Homem-Deus que vemos chorar, é o Homem-Deus que fará sair Lázaro de seu túmulo. Ele chora. . . são lágrimas divinas; ele chora porque contempla o triunfo da morte e da destruição da criação saída das mãos de Deus. “Ele já cheira mal,” dizem os judeus, como para impedir Jesus de se aproximar do corpo; terrível advertência que vale para todo o universo, para toda a Vida. Deus é Vida e Doador de Vida, ele chamou o homem para esta realidade divina da vida, e eis “que ele cheira mal.” O mundo foi criado para refletir e proclamar a glória de Deus, e eis “que ele cheira mal”! No túmulo de Lázaro Deus encontra a morte, a realidade da antivida, da destruição e do desespero. Ele se encontra face à face com seu Inimigo que lhe arrebatou a criação, que era sua, para tornar-se o Príncipe. Nós que seguimos Jesus se aproximando do túmulo, entramos com ele na sua Hora, aquela que ele anunciou frequentemente como o apogeu e o cumprimento de toda sua obra. Neste curto versículo do Evangelho: “Jesus chorou,” é a Cruz que é anunciada, sua necessidade e seu significado universal. Compreendemos agora que é porque “Jesus chorou,” melhor dizendo porque ele amava seu amigo Lázaro, que ele tem o poder de o chamar à vida. A ressurreição não é a simples manifestação de um poder divino, mas antes o poder de um amor, o amor tornado poder. Deus é Amor e Amor é Vida, ele é criador de vida. . . É o Amor que chora sobre o túmulo e é o Amor também que dá a vida; lá está o sentido das lágrimas divinas de Jesus. Elas nos mostram o amor de novo à obra, recriando, resgatando e restaurando a vida humana presa das trevas: “Lázaro, sai para fora!...”
Eis porque esse sábado de Lázaro inaugura ao mesmo tempo a cruz como supremo sacrifício de Amor, e a ressurreição como seu último triunfo:
“O Cristo é para todos alegria, verdade, luz e vida, Ele é a ressurreição do mundo, nele o amor apareceu para aqueles que estão na terra, imagem da ressurreição, concedendo a todos o perdão divino.” (Kondakion do Sábado de Lázaro)
Arquimandrita Placide (Deseille)