terça-feira, 30 de junho de 2020

«Quem vos recebe, a Mim recebe»


«Quem acolher este menino em meu nome, é a Mim que acolhe», diz o Senhor (Lc 9,48). Quanto mais pequeno for esse irmão que se acolhe, mais Cristo estará presente nele. Porque, quando recebemos uma pessoa importante, é muitas vezes por vã glória que o fazemos; mas aquele que recebe um pequenino, fá-lo com uma intenção pura e por Cristo. «Eu era peregrino e recolhestes-Me», disse o Senhor. E ainda: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25,35.40). Tratando-se de um crente e de um irmão, por mais pequeno que seja, é Cristo que com ele entra. Abre, pois, a porta de tua casa e acolhe-O.

«Quem recebe um profeta por ele ser profeta, receberá recompensa de profeta». Portanto, aquele que receber a Cristo, receberá a recompensa da hospitalidade de Cristo. Não ponhas em causa estas palavras, confia nelas. Ele próprio no-lo disse: «Neles, sou Eu que apareço». E para que não duvides, o Senhor decreta um castigo para aqueles que não O receberem, e honras para os que O receberem (Mt 25,31s); ora, não o faria se não fosse pessoalmente tocado pela honra ou pelo desprezo. «Acolheste-Me», diz, «em tua casa, Eu receber-te-ei no Reino de meu Pai. Libertaste-Me da fome, Eu te libertarei dos teus pecados. Visitaste-Me quando estava preso, Eu te farei conhecer a libertação. Acolheste-Me quando era estrangeiro, Eu farei de ti um cidadão dos Céus. Deste-Me pão, Eu te darei o Reino como herança e tua plena propriedade. Ajudaste-Me em segredo, Eu proclamá-lo-ei publicamente, chamando-te meu benfeitor e a Mim, teu devedor».

São João Crisóstomo (c. 345-407)
presbítero de Antioquia, bispo de Constantinopla, 
Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, n.° 45; PG 60, 318

sábado, 27 de junho de 2020

«Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa».




Que procuras? A felicidade. [...] Procuras uma coisa boa, mas que não existe neste mundo. [...] Tendo vindo até junto de nós, Cristo encontrou o que nós temos em abundância: penas, dores e a morte; é o que tens, e o que entre nós existe em abundância. Ele comeu contigo o que havia em abundância na pobre casa da tua infelicidade. Ele bebeu vinagre, ele provou fel (Jo 19,29) – tudo quanto encontrou na tua pobre casa.

Mas convidou-te para a sua mesa magnífica, para a sua mesa do Céu, para a sua mesa dos Anjos, onde Ele mesmo é o pão (Jo 6,34). Descendo até ti, e encontrando infelicidade na tua pobre casa, não desdenhou de Se sentar à tua mesa, tal como era, e prometeu-te a sua. [...] Assumiu a tua infelicidade, para te dar a sua felicidade. E dar-te-á, pois prometeu-nos a sua vida.

E aquilo que realizou é ainda mais incrível: deu-nos em penhor a sua própria morte. É como se nos tivesse dito: «Convido-vos para a minha vida, onde ninguém morre, onde se encontra a verdadeira felicidade, onde o alimento não se corrompe, mas restaura, nunca falta e tudo preenche”. Vede para onde vos convido: para a terra dos Anjos, para a amizade do Pai e do Espírito Santo, para uma refeição eterna, para a minha amizade fraterna. Enfim, convido-vos para Mim mesmo, convido-vos para a minha própria vida. Duvidais de que vos darei a minha vida? Tendes a minha morte como testemunho.


Santo Agostinho (354-430)
Bispo de Hipona (norte de África). Sermão 231

quinta-feira, 25 de junho de 2020

«O que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre os telhados»


Não comecei este trabalho por mim próprio; foi Cristo Senhor que me ordenou que viesse passar o resto dos meus dias junto dos irlandeses pagãos – se o Senhor assim quiser e se Ele me guardar dos maus caminhos. [...] Mas não confio em mim próprio enquanto resido neste corpo de morte (cf 2Pe 1,13; Rom 7,24). [...] Não levei uma vida perfeita como outros fiéis, mas confesso-o ao meu Senhor e não me envergonho na sua presença. Porque eu não minto: depois que O conheci na minha juventude, o amor de Deus cresceu em mim, assim como o seu temor, e até ao presente, pela graça do Senhor, «guardei a fé» (2Tim 4,7).

Que se ria pois e me insulte quem quiser; eu não me calarei nem esconderei «os sinais e as maravilhas» (Dan 6,27) que o Senhor me mostrou muitos anos antes de se terem realizado, pois Ele conhece todas as coisas. Por isso, dou sem cessar graças a Deus, que tantas vezes perdoou os meus disparates e a minha negligência, e não Se irritou uma única vez comigo, a quem fez bispo. O Senhor «teve piedade» de mim «em favor de milhares e milhares de homens» (Ex 20,6), porque viu que eu estava disponível. [...] Com efeito, muitos foram os que se opuseram a esta missão; falavam mesmo entre si nas minhas costas e diziam: «Porque se lança ele nesta tarefa tão perigosa, entre estrangeiros que não conhecem a Deus?». Não era por malícia que se exprimiam assim; eu próprio, o confirmo: por causa da minha rudeza, não conseguem compreender porque fui nomeado bispo. E eu próprio demorei a reconhecer a graça que estava em mim; mas tudo isso se tornou claro.

Agora, explico com simplicidade aos meus irmãos e aos companheiros que acreditaram em mim porque preguei e continuo a pregar (2Cor 13,2), com o fim de fortificar e confirmar a sua fé. Possais vós ambicionar também as metas mais elevadas e realizar as obras mais excelentes. Isso será a minha glória, porque «um filho sábio é a glória do seu pai» (Prov 10,1).


São Patrício (c. 385-c. 461)
monge missionário, bispo
Confissão, §§ 43-47

Venerável Santo Onofre, o Grande


São Panúfio, que levou uma vida ascética no deserto Tebaída, no Egito, nos deixou um relato de Santo Onofre, o Grande, e de outros eremitas do século IV: Timóteo, o habitante do deserto; e os Abbas André, Charalampo, Teófilo e outros.

São Panúfio rumou para o interior do deserto buscando saber se havia algum monge que se esforçava para o Senhor mais do que ele. Ele levou um pouco de pão e água e partiu para a região mais remota. Depois de quatro dias chegou numa caverna, onde encontrou o corpo de um Ancião que havia morrido há vários dias. Tendo sepultado o falecido, São Panúfio prosseguiu.

Vários dias transcorreram até que ele encontrasse outra caverna, e pelas marcas no chão concluiu que ela havia sido habitada. Ao cair da tarde, viu um bando de búfalos e um homem andando no meio deles. Esse homem estava nu, mas se cobria com um longo cabelo, usado como se fosse roupa. Era Abba Timóteo, o Habitante do Deserto.

Vendo um semelhante, Abba Timóteo pensou ser uma aparição e começou a orar. São Panúfio finalmente o convenceu de que estava vendo realmente um homem e um irmão de fé. O eremita preparou comida e água para ele e lhe relatou que vivia no deserto há trinta anos, sendo Panúfio o primeiro homem que via desde então. Em sua juventude, Timóteo havia vivido em um mosteiro, mas quis permanecer solitário. Deixou sua comunidade e se estabeleceu próximo a uma cidade, se sustentando com o trabalho de suas próprias mãos [ele era um tecelão]. Mas certa feita, pecou com uma mulher. Caindo em si, o monge decaído adentrou o deserto, onde pacientemente suportou tribulações e doença. Quando estava a ponto de morrer de fome, recebeu a cura de um modo miraculoso.

Daí em diante, Abba Timóteo viveu pacificamente em solidão completa, comendo os frutos das árvores e matando a sede em uma fonte. São Panúfio perguntou ao Ancião se devia permanecer também no deserto. Mas o eremita lhe disse que ele não seria capaz de suportar as tentações demoníacas que assaltavam os habitantes do deserto. Em vez disso, ele o supriu com frutos e água e o abençoou para seguir seu caminho.

Tendo descansado em um mosteiro do deserto, São Panúfio realizou uma segunda viagem ao deserto mais profundo, esperando encontrar algum santo asceta que ensinasse a sua alma. Caminhou por dezessete dias, até que seu suprimento de pão é água se exauriu. São Panúfio caiu duas vezes por causa da fraqueza, mas um anjo o fortaleceu para que pudesse continuar sua jornada. No décimo sétimo dia, ele alcançou uma região montanhosa e sentou para descansar. Ali ele viu um homem se aproximar dele, e estava coberto dos pés à cabeça como cabelos brancos e as constas cingidas com plantas do deserto. A visão do ancião amedrontou Abba Panúfio, e ele pulou de onde estava e correu, subindo a montanha. O Ancião se sentou no sopé do monte e, levantando sua cabeça, viu São Panúfio e o chamou. Esse era o grande habitante do deserto Santo Onofre.

Santo Onofre vivia em completa solidão nos ermos por sessenta anos. Em sua juventude, foi monge em uma comunidade próxima à cidade de Hermópolis. Vindo a saber dos Santos Padres e da vida dos Ascetas do Deserto, a quem o Senhor enviava a ajuda dos anjos, aspirou imitar seus esforços. Deixou o mosteiro em segredo e viu um raio brilhante de luz diante dele. Atemorizado, decidiu voltar, mas a voz de seu Anjo da Guarda lhe dizia para prosseguir para o deserto para servir ao Senhor. Depois de caminhar mais de dez quilômetros, chegou a uma caverna. Ela era habitada por um homem, com quem Santo Onofre permaneceu e aprendeu a maneira de vida e de luta contra as tentações demoníacas. Quando o Ancião se convenceu que Santo Onofre havia alcançado alguma iluminação, levou-o a outra caverna e o deixou sozinho para lutar pelo Senhor. O Ancião o visitava uma vez por ano, até que adormeceu no Senhor.

A pedido de São Panúfio, Abba Onofre lhe contou de seus trabalhos e ascetismo, e de como o Senhor tomou conta dele. Próxima à caverna havia uma palmeira e uma fonte de água pura. Doze ramos diferentes da palmeira davam frutos, cada um em um mês, sucessivamente, e assim o monge não passava nem fome nem sede. A sombra da palmeira o protegia durante o calor do dia. Um anjo lhe trazia a Santa Eucaristia a cada sábado e domingo, e também o fazia para outros habitantes do deserto. Os dois conversaram até o anoitecer, quando Abba Panúfio notou um pedaço de pão branco ao seu lado junto a uma jarra de água. Depois de comer, os anciãos passaram a noite em oração. Depois de cantarem os salmos da manhã, São Panúfio viu que o rosto do Venerável Onofre havia se transformado, e se assustou. Santo Onofre disse, ''Deus, que é misericordioso com todos, te enviou para que sepulte meu corpo. Hoje terminarei o curso de minha vida terrena e partirei para Cristo, para viver eternamente em Seu repouso.'' Santo Onofre pediu-lhe então que lembrasse dele para todos os cristãos.

São Panúfio queria permanecer lá após a morte de Abba Onofre. Entretanto, o santo asceta lhe disse que não era essa a Vontade de Deus, e sim que retornasse ao seu próprio mosteiro e contasse a todos sobre as vidas virtuosas dos eremitas. Tendo então abençoado São Panúfio e dele se despedido, Santo Onofre orou e adormeceu no Senhor, pronunciando suas palavras finais: ''Em suas mãos, meu Deus, entrego meu espírito''.

São Panúfio cobriu o rosto do grande asceta com um pedaço de suas próprias vestes, e o colocou no interior de uma rocha, que lhe serviu então de túmulo. Depois o cobriu com muitas pequenas pedras. Orou ao Senhor para que lhe permitisse ficar naquele lugar até o fim dos seus dias. Mas repentinamente, a fonte de água secou e a palmeira morreu. Percebendo que não havia recebido benção para permanecer ali, São Panúfio iniciou sua jornada de re
torno.

Depois de quatro dias, Abba Panúfio encontrou uma caverna, onde encontrou outro asceta que vivia no deserto há sessenta anos. Exceto por dois outros anciões, que o acompanhavam em seu ascetismo, ele não havia visto ninguém mais por todo esse tempo. A cada semana os três seguiam por caminhos solitários no deserto, e no sábado e domingo se reuniam para a salmodia e comiam os pães que os anjos lhe traziam. Depois de se alimentarem com o pão trazido por anjos, eles passaram a noite inteira em oração. Quando partia, São Panúfio perguntou o nome dos eremitas, mas eles disseram, ''Deus, que sabe de todas as coisas, conhece-nos pelo nome. Lembre de nós, para que nos encontremos em uma outra das habitações celestiais de Deus.''

Continuando seu caminho, São Panúfio chegou a um oásis que o impressionou pela beleza e abundância de árvores repletas de frutos. Quatro jovens habitavam esse lugar, e lhe contaram que na infância viveram na cidade de Oxyrhyncus. Mas neles cresceu o desejo de dedicarem suas vidas completamente a Deus. Fazendo planos para partirem para o deserto, deixaram a cidade e, depois de vários dias de viagem, chegaram àquele lugar. Um homem radiante com a glória divina os encontrou e os deixou com um ancião. ''Nos encontramos aqui há seis anos'', disseram-lhe, ''e nosso ancião viveu conosco por um ano, e então morreu. Agora vivemos sós, comemos dos frutos das árvores e temos água de uma fonte.'' Os nomes dos jovens eram Santos João, André, Heraclemon e Teófilo [comemorados em 2 de dezembro].

Os jovens lutavam separadamente por toda a semana, mas nos sábados e domingos se encontravam no oásis para as orações em comum. Nesses dias, um anjo aparecia e comungava com eles os Santos Mistérios. Dessa vez, no entanto, por causa de São Panúfio eles não foram para o deserto, mas permaneceram com ele a semana inteira em oração. No fim de semana seguinte, São Panúfio também recebeu os Santos Mistérios das mãos do anjo, e ouviu essas palavras, ''Receba o alimento imperecível, a bem aventurança e vida eterna, o Corpo e Sangue do Senhor Jesus Cristo, Nosso Deus.''

São Panúfio pediu permissão ao anjo para permanecer no deserto até o fim dos seus dias. Mas o anjo respondeu que Deus havia decretado diferente para ele. Ele deveria retornar ao Egito e contar aos cristãos sobre a vida dos habitantes do deserto.

Tendo se despedido dos jovens, São Panúfio alcançou as bordas do deserto depois de três dias de viagem. Ali encontrou um pequeno skete, e foi recebido com amor pela comunidade. Abba Panúfio relatou tudo o que havia aprendido sobre os Santos Padres que encontrou no deserto. A comunidade escreveu detalhadamente os relatos e os depositaram na Igreja, de modo que todos pudessem lê-los. São Panúfio deu graças a Deus e retornou ao seu próprio mosteiro.

«João não era a luz, mas veio para dar testemunho» (Jo 1,8)



O facto de o nascimento de João ser comemorado quando os dias começam a diminuir e o do Senhor quando os dias começam a aumentar tem um significado simbólico. Com efeito, o próprio João revelou o segredo desta diferença. As multidões tomavam-no pelo Messias em razão das suas virtudes eminentes, e alguns consideravam que o Senhor não era o Messias, mas um profeta, devido à fragilidade da sua condição corporal. E João declarou: «Convém que Ele cresça e que eu diminua» (Jo 3,30). E o Senhor cresceu verdadeiramente, porque, quando foi olhado como profeta, deu a conhecer aos crentes do mundo inteiro que era o Messias. João diminuiu, porque aquele que as pessoas julgavam ser o Messias lhes apareceu, não como Messias, mas como anunciador do Messias.

É normal, pois, que a luz dos dias comece a diminuir a partir do nascimento de João, dado que a sua reputação de divindade havia de desaparecer, assim como o seu batismo. E também é normal que a luz dos dias recomece a aumentar a partir do nascimento do Senhor, pois Ele veio à Terra trazer aos pagãos as luzes de um conhecimento que, até então, só os judeus possuíam em parte, e difundir por todo o mundo o fogo do seu amor.



São Beda o Venerável (c. 673-735), monge beneditino.
Homilia II, 20; CCL 122, 328-330