sábado, 30 de março de 2019

HOMILIA NO DOMINGO DA CRUZ.

 SANTA E GRANDE QUARESMA (Mc. 8: 34-9:1)
pelo Metropolita Anthony Bloom de Sourouzh

Em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém
No Evangelho de hoje, o Senhor nos diz que se quisermos ser seguidores de Seus discípulos, devemos tomar nossas cruzes e segui-Lo. E quando pensamos na Cruz do Senhor, pensamos em Sua gradual e dolorosa subida na Cruz, pensamos no caminho da Cruz, no caminho de Sua morte. Em verdade, o Senhor nos chama, se queremos ser-Lhe fiéis, se quisermos ser Seus discípulos, a preparar a caminhada inteira com Ele – quer dizer, todo o caminho.

No entanto, por outro lado, devemos nos lembrar que Ele não nos chama a seguir uma senda que Ele próprio não tenha trilhado. Ele é o Bom Pastor, que anda a frente de Seu rebanho, deixando claro que tudo está claro, que os perigos foram removidos, que podemos andar seguros em Seus passos. Sua chamada a tomarmos nossas cruzes e seguirmo-Lhe é um chamado, ao mesmo tempo, a aceitar a sermos verdadeiros discípulos e também a fazermos isto na certeza de que Ele nunca pedirá de nós aquilo que Ele próprio não pode suportar. Podemos segui-Lo com segurança, mas também com um sentido de paz em nosso coração e nossa mente.

E ainda, o que se segue não está desprovido de tragédia, porque para ser discípulo de Cristo, devemos, tal como a leitura da Epístola em nosso Batismo nos indica, morrer com Ele a fim de ressuscitarmos com Ele. Morrer significa renunciar, num ato de lealdade, de amizade, de solidariedade com Ele, de respeito e veneração por Ele, de reconhecimento do custo de Seu amor por nós, renunciar a tudo que causa a Sua morte. Devemos refletir em tudo que está no interior de nós que nos afasta de Deus, indignos de nós próprios, indignos de Seu amor.

E quando descobrimos, o que quer que seja, decidimos rejeitar para fora de nossas vidas. Podem ser coisas que parecem fáceis, ou pequenas, pode ser coisas que são pesadas e difíceis a rejeitar. Mas devemos imaginar que coisas que parecem ser pequenas nos separam de Deus daquelas coisas que parecem ser grandes para nós. Existe uma história na vida de um asceta a quem duas pessoas vieram; uma cometeu um pecado grave e a outra reconheceu somente uma multidão de pequenos pecados. E para lhe fazer entender que ambos os problemas podem ser destrutivos para a vida delas, disse a primeira para se dirigir a um campo e encontrar o maior pedregulho que pudesse encontrar e trazê-lo, e à outra que colhesse seixos por toda parte. A primeira facilmente encontrou um pedregulho e o trouxe; a outra também encontrou facilmente uma enorme quantidade de seixos. E quando voltaram, ele lhes disse, e agora vão e coloquem de volta exatamente onde encontraram. O primeiro que tinha trazido o grande pedregulho encontrou com facilidade o lugar, pois que estava profundamente impresso na terra. O outro, depois de horas e horas, retornou com todos os seixos, porque tinham sido colhidos por acaso, sendo assim impossível encontrar o local. Assim se passa com nossos pecados: não existe nada que seja pequeno, e não existe nada que seja grande, se – e este ‘se’ é importante – se não encontrarmos lugar para colocá-lo de lado, para rejeitá-lo.

Então, vamos refletir nisto. Nas semanas de preparação à Quaresma, fomos confrontados em seguidas parábolas, em seguidas leituras com imagens de pecado; a cegueira de Bartimeu, o orgulho do Fariseu, a rejeitar seu pai – nosso Deus! – por parte do filho pródigo; confrontamo-nos com a leitura do julgamento no qual fica tão claro que não seremos julgados pela fé em que professamos, mas antes se somos humanos durante nossas vidas, mesmo que simples humanos, perceptivos, cruelmente sensíveis aos sofrimentos de outras pessoas, e o que quer que tenhamos feitos a elas, nossos próximos, tudo que pode ser feito, se amamos o nosso próximo de tal forma como quiséramos ser amados. Então fomos confrontados com os dias finais deste período de preparação, quando semana à semana, o crepúsculo e a escuridão revelados dentro de nós mesmos pelas leituras que se realizaram. Tivéssemos a honestidade de responder à mensagem de Deus?

Em seguida franqueamos em um novo período de tempo, na própria Quaresma, no próprio Jejum; período que é chamado ‘a primavera’ – porque isto significa a palavra ‘quaresma’, um tempo de renovação e de novidade, um tempo em que Deus pode fazer novas as coisas passadas se permitirmos que Ele o faça. Confrontamo-nos com o Domingo da Ortodoxia, o Triunfo da Ortodoxia quando a Igreja proclama que Deus Se tornou homem, que o homem é tão grande, tão vasto, e tão precioso para o Deus que deu Sua própria vida por ele, um Deus de amor sacrificial, um Deus que foi preparado a viver e a morrer por nós porque nos valoriza muito.

E então, o Domingo seguinte, aquele de São Gregório Palamas – a proclamação do fato de que somos verdadeiramente chamados participantes da divina natureza de acordo com a promessa e a palavra de São Pedro em sua Epístola: que Deus quer dar-Se a nós, que a graça divina é o Próprio Deus derramando-Se sobre nós e nos dando uma possibilidade, uma chance, se somos ao menos capazes de responder a isto, em fazer d´Ele o nosso Rei, entroná-Lo como Juíz e Regente de nossa mente, como Aquele que dirige nosso coração, Aquele cuja vontade é a nossa vontade, Aquele que pode purificar-nos mesmo até em nossos corpos de todos os pecados espirituais e carnais.

E agora, veremos um após o outro que a graça de Deus aceita, heroicamente recebida, pode fazer nas pessoas: na pessoa de São João o Clímaco, na pessoa de Santa Maria do Egito, na pessoa de cada pecador lembrado nestes dias, e quem pelo poder, e a graça, e o amor de Deus, mas também, por sua resposta heroica, de todo-coração e sincera provou ser capaz de receber o que Deus estava dando.

E então, virá a Grande Semana Santa; e da luz que irradiou como uma promessa, fraca ou demasiadamente nos Santos, veremos a luz que cega do amor Divino encarnado, daquilo que significa Deus ao dizer que Ele nos ama. E ainda, isto é julgamento, porque se os homens, mulheres, crianças frágeis como nós podem responder como os Santos fizeram, o que diremos a Deus se não respondermos de acordo com Seu próprio amor crucificado e sacrificial?

E então, da escuridão do pecado revelado em nós, à luz da Divina Graça que irradiou através dos Santos e nos Santos, alcançaremos a luz pura, perfeita, revelada em Deus e em cada estágio nos é dito por Deus: vás responder a isto? Não é o horror das trevas suficiente para te fazer tremer? Não é esta visão do que se deve ser feito suficiente para te inspirar? Minha Própria vida e morte por ti não são suficientes para te porem em movimento? É-nos dado uma chance depois da outra para respondermos: vamos fazer isto! Apressemo-nos em fazê-lo! Existe uma passagem no Grande Cânone na qual se diz, Que a mão de Moisés coberta com lepra te convença que Deus pode purificar tua própria vida tomada pela lepra... Sim – se a lepra pode ser limpa pela ação de Deus, toda lepra que nos mancha, destrói-nos na alma, no corpo, que mina a pureza de nosso coração, a escuridão de nossa alma, torna a nossa vontade infiel à nossa própria vocação e ao chamado de Deus, tudo pode ser curado.

E então podemos ingressar nestes dias com esperança, porque um suspiro do Publicano foi suficiente para fazê-lo filho do Reino, restaurando-o em sua plenitude. Tragamos ao menos um suspiro do fundo de nosso coração – e a salvação é nossa.... Glória a Deus, Glória a Deus em todas as coisas.... Amém.



terça-feira, 26 de março de 2019

São Tarásio

São Tarásio.


São Tarásio nasceu no ano 730. Recebeu uma ótima educação cristã e literária; tinha como pai, o prefeito de Constantinopla. Tarásio era de carácter zeloso, de tal forma que foi nomeado pelo imperador para um alto cargo imperial.

Enfrentou, em Deus, todas as tentações próprias da sociedade, cheia de luxo. No século VIII, foi a heresia iconoclasta promovida pelo imperador Leão que, não a compreendendo, aponta o culto às imagens como uma prática de idolatria. 

Ao assumir o patriarcado, São Tarásio, em comunhão com o Papa, combateu e conseguiu condenar esta heresia num Concílio. Cuidadoso com suas ovelhas, tinha um grande espírito de serviço, a ponto de dizer, ao ser questionado pelo seu especial cuidado para com os pobres: "Minha única ambição é imitar Nosso Senhor Jesus Cristo, que viveu para servir e não para ser servido".

domingo, 24 de março de 2019

Segundo Domingo da Grande Quaresma Comemoração de São Gregório Palamas 11 de março -- Calendário Juliano.

São Gregório Palamas.


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Originalmente, o segundo domingo da quaresma era dedicado a São Policarpo de Esmirna. Mas após a glorificação de São Gregório Palamas, em 1368, uma segunda comemoração foi acrescentada ao calendário nesta data, que marca um "Segundo Triunfo da Ortodoxia". Essa comemoração possui um significado histórico e outro espiritual [místico e teológico].

Gregório nasceu em 1296 em Constantinopla, filho de um proeminente nobre e dignitário da corte do Imperador Andronico II Paleólogos [1282-1328]. Com a morte precoce de seu pai, o próprio Imperador tomou para si a tarefa de educar o órfão. Possuindo enorme habilidade e inteligência, Gregório dominou todas as disciplinas filosóficas da alta educação medieval.

O Imperador tinha a esperança de que ele se dedicasse aos assuntos do governo, mas, aos vinte anos, Gregório abandonou o mundo e rumou para o Monte Athos, tornando-se noviço no mosteiro de Vatopedi sob a filiação do Ancião São Nicodemo. Ali foi tonsurado e dedicou-se à ascese. Um ano depois, o Bem Aventurado Apóstolo São João o Teólogo apareceu a ele em uma visão, e lhe prometeu proteção espiritual. A mãe de Gregório, bem como suas irmãs, também abraçaram o monasticismo.

Após a entrada de São Nicodemo no Reino dos Céus, Gregório passou oito anos de batalha espiritual sob a filiação do Ancião Nicéforo, e, após a sua morte, transferiu-se para a Lavra de Santo Atanásio, onde fez parte do coro da Igreja. Depois de três anos isolou-se em um pequeno skete de Glossia, lutando por um grau ainda mais elevado de perfeição espiritual.

O líder de seu mosteiro lhe ensinou o método da oração e atividade mental incessante, que havia sido cultivado por monges desde o quarto século, remontando a ascetas como Evágrio Pontico e São Macário do Egito. Bem mais tarde, no século XI, São Simeão o Novo Teólogo providenciou instruções detalhadas sobre a oração mental, logo seguida pelos ascetas da Sagrada Montanha Athos, chamado doravante de ''O Jardim da Panagia [''toda santa'' ou ''virgem'']''. A experiência da oração do coração requer solidão e quietude, em uma prática chamada de "Hesicasmo" [do grego 'hesíquia', que significa silêncio]. Durante sua estada em Glossia, Gregório se tornou inteiramente imbuído do espírito do Hesicasmo, adotando-o como parte essencial de sua vida.

Em 1326, por causa da ameaça de invasão turca, ele e sua comunidade se mudaram para Tessalônica, onde Gregório foi ordenado como sacerdote. São Gregório combinava seus deveres sacerdotais com uma vida de eremita. Passava cinco dias por semana em silêncio e oração, e apenas no sábado via o seu rebanho, começava a celebração dos ofícios divinos e pregava sermões.

Para aqueles que se faziam presentes na Igreja, seus ensinamentos sempre evocavam ternura e lágrimas. De vez em quando visitava encontros teológicos junto a jovens educados das cidades, e após um destes estudos realizado em Constantinopla, encontrou um lugar adequado para a solidão, bem próximo de Tessalônica, na região de Bereia. Logo se juntou a uma pequena comunidade de monges solitários e a guiou por cerca de cinco anos.

Nos anos 1330, acontecimentos importantes transformaram Gregório em um dos mais significativos apologetas da Ortodoxia, e deram-lhe grande renome como defensor e mestre do hesicasmo. No início desta década, o erudito monge Barlaão chegou a Tsar'grad vindo da Calábria, na Itália. Ele era autor de tratados de lógica e astronomia e um orador muito habilidoso, recebendo em vista disto uma cadeira universitária na cidade imperial.

Ali, começou a expor as obras de São Dionísio o Areopagita, cuja teologia 'apofática' era fundamental tanto para a Igreja Ortodoxa quanto para os cismáticos ocidentais. Logo Barlaão visitou o monte Athos, e lá veio a conhecer a vida espiritual dos hesicastas. Afirmando que era impossível conhecer a essência divina, declarou o método da oração mental um erro herético. Rumando dali para Tessalônica, e depois para Constantinopla, Barlaão entrou em disputas com vários monges e tentou demonstrar a natureza material e criada da Luz do Monte Tabor [ ou seja, da Transfiguração], que os hesicastas afirmam contemplar. Em suas disputas, Barlaão ridicularizava os ensinamentos dos monges sobre os métodos de oração e sobre a Luz Incriada vista pelos hesicastas.

A pedido dos monges athonitas, São Gregório replicou o irmão com admoestações verbais em primeiro lugar. Vendo a inutilidade dos seus esforços, colocou seus argumentos por escrito, e produziu as "Tríadas em defesa dos Santos Hesicastas", em 1338. Por volta de 1340, os ascetas da Sagrada Montanha, com a assistência do santo, compilaram uma resposta geral aos ataques de Barlaão, o chamado "Tomo Hagiorita".

No Concílio Ecumênico convocado em Constantinopla em 1341, realizado em Hagia Sophia, São Gregório debateu com Barlaão, se focando sobre a natureza da Luz do Monte Tabor. Em 27 de maio o Concílio aceitou sua posição, a saber, de que Deus, inapreensível em Sua Essência, revela-se por meio de Suas Energias, que são dirigidas diretamente ao mundo e aptas a serem percebidas, como a Luz do Monte Tabor, mas que não são nem materiais nem criadas. Os ensinamentos de Barlaão foram condenados como heréticos, e ele mesmo foi anatematizado e voltou à Calábria.

Mas as disputas entre hesicastas e barlaamitas estavam longe de acabar. Um discípulo de Barlaão, o monge búlgaro Akyndinos, escreveu uma série de tratados chamados "aquele que inflige danos", que sustentavam a opinião herética e possuía a simpatia do Patriarca João XIV Kalekos [1341-1347] e do Imperador Andronico III Paleólogos [1328-1341]. Desse modo, o Patriarca trancafiou São Gregório por quatro anos.

Em 1347, quando João XIV foi substituído no trono episcopal por Isidoro [1347-49], São Gregório não apenas foi libertado como tornou-se Arcebispo de Tessalônica. Em 1351, um novo concílio realizado em Blachernae solenemente reafirmou a Ortodoxia de seus ensinamentos.

Mas o povo de Tessalônica não aceitou imediatamente São Gregório, e ele teve de viajar para diversos lugares. Numa dessas viagens, seu navio foi capturado por turcos. Mas mesmo no cativeiro, São Gregório pregou para os cristãos que também eram prisioneiros, e até mesmo para seus captores muçulmanos, que ficavam atônitos pela sabedoria de suas palavras, e com os quais fez amizade após algumas conversas teológicas, que se concluíram com as palavras do grande santo, ''não estamos longe de nos entender''.

Alguns muçulmanos, despreparados para o que ouviam, agrediram o santo, e só não o mataram por causa do grande resgate que esperavam obter por ele. Um ano depois, São Gregório pôde retornar à Tessalônica.

Nos três anos anteriores à sua morte, São Gregório realizou diversos milagres, curando muitas pessoas. Na véspera de seu repouso, obteve uma visão de São João Crisóstomo. Com as palavras "Às alturas! Às alturas", adentrou o Reino dos Céus em 14 de novembro de 1359. Em 1368 sua santidade foi reconhecida formalmente pelo Concílio de Constantinopla, realizado sob o Patriarca Filoteu [1354-55, 1364-1376].

A exposição teológica da diferença entre essência e energias divinas, bem como do método hesicasta para a obtenção da theosis, como do próprio significado místico do termo, estão entre as maiores contribuições doutrinárias legadas à Igreja de Cristo, e protegeu-a contra o racionalismo e erros metodológicos e teológicos advindos da filosofia escolástica, muito reputada então pela síntese realizada por Tomás de Aquino. São Gregório Palamas foi também grande devoto da Toda Santa e Pura Mãe de Deus, que lhe garantiu proteção e assistência em toda sua vida, por meio inclusive de aparição direta ao santo.

O grande tema espiritual da comemoração do Domingo de São Gregório Palamas é o esforço ascético conjugado à fé, grande sinergia que possibilita ao homem à realização do ensinamento dos Santos Padres, de que "Deus se tornou homem para que o homem se fizesse deus''. Há a lembrança dos jejuns e outras práticas como formas de receber e vivificar a luz interior, integrando-a em todo o ser do cristão a fim de obter a salvação.

O Evangelho de hoje também carrega mensagens e lições de grande importância para nossa jornada rumo à salvação. O Bem Aventurado Evangelista São Marcos nos conta sobre o paralítico que foi descido por quatro homens até o Senhor a partir do teto da casa em que ele ensinava, já que a multidão ao redor não permitia que se aproximassem de outra forma. Diante de tamanha fé e esforço, Cristo não apenas restaurou a saúde do paralítico mas também perdoou-lhe os pecados, o que é muito mais importante.

Assim como os amigos do paralítico o ajudaram, como Corpo de Cristo, também devemos nos auxiliar mutuamente. A passagem aponta que não foi só a fé do próprio doente que o salvou. Foi quando Jesus contemplou a ''fé deles'', que perdoou os pecados do doente e o curou. Os quatro amigos representam também a oração, o jejum, a caridade e a obediência, que nos apóiam na busca por Cristo e em nossa cura.




sábado, 23 de março de 2019

Hoje em dia, o principal ingrediente que falta...

Hoje em dia, o principal ingrediente que falta [à harmonia entre as pessoas] é uma coisa que poderíamos chamar de desenvolvimento emocional da alma. Não é uma coisa exatamente espiritual, mas que frequentemente impede o desenvolvimento espiritual. A pessoa pode até achar que quer se dedicar à vida ascética e ao combate espiritual quando, na verdade, encontra-se num estado em que mal consegue expressar amizade e amor humano normais; se alguém diz: 'Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?' (I João 4:20).

Em algumas pessoas esse defeito manifesta-se de maneira extrema. Mas, enquanto tendência, é algo que está presente em todos nós, já que todos fomos criados e aculturados em uma atmosfera espiritual e emocional deteriorada.
Assim sendo, é comum que tenhamos de refrear nossos impulsos e combates supostamente espirituais para que saibamos se estamos realmente preparados, em termos humanos e emocionais, para esses combates. Às vezes, acontece de um pai espiritual negar a seu filho que leia livros espirituais para lhe dar, em vez disso, um romance de Dostoyevsky ou Dickens, ou ainda lhe encorajar para que se familiarize com determinados tipos de música clássica. Não que haja um propósito puramente estético nessas orientações - pois é perfeitamente possível que alguém seja especialista nessas coisas e seja emocionalmente desenvolvido sem, no entanto, um pingo de interesse nas coisas espirituais, o que também é indício de desequilíbrio - mas há, sim, o propósito de refinar e moldar a alma, tornando-a mais apta e receptiva a entender os textos genuinamente espirituais.



+ Bem-aventurado Padre Serafim (Rose) de Platina,_____ in: "His Life and Works", Saint Herman Press, Platina, EUA, 2003.

Evangelho segundo São Mateus 21,33-43.45-46.



Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Ouvi outra parábola: Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. Quando chegou a época das colheitas, mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos. Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos, espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no.Tornou ele a mandar outros servos, em maior número que os primeiros. E eles trataram-nos do mesmo modo.Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo: ‘Respeitarão o meu filho’.Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro; matemo-lo e ficaremos com a sua herança’.E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no.Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?».Eles responderam: «Mandará matar sem piedade esses malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entreguem os frutos a seu tempo».Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’?Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos».Ao ouvirem as parábolas de Jesus, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus compreenderam que falava delese queriam prendê-l’O; mas tiveram medo do povo, que O considerava profeta.



Dar fruto



«A vinha do Senhor do universo é a casa de Israel» (Is 5,7). Ora, tal casa somos nós [...] e, como somos Israel, somos a vinha. Zelemos pois por que não nos nasçam dos sarmentos, em vez de uvas de doçura, uvas de ira (Ap 14,19), para que não nos digam [...]: «Porque foi que, esperando Eu que desse boas uvas, apenas produziu agraços?» (Is 5,4). Terra ingrata! Ela, que deveria oferecer a seu Dono frutos de doçura, trespassou-O com agudos espinhos. De igual forma, os seus inimigos, que deviam ter acolhido o Salvador com toda a devoção da sua fé, coroaram-n'O com os espinhos da Paixão. Para eles, a coroa significava ultraje e injúria, mas aos olhos do Senhor, era a coroa das virtudes. [...]

Tende cautela, irmãos, para que não seja dito acerca dessa terra que vós sois: «Esperou que desse boas uvas, mas ela só produziu agraços» (Is 5,2) [...]. Tenhamos cautela, para que as nossas más ações não firam, quais espinhos, a cabeça do Senhor. Foram os espinhos do coração que feriram a palavra de Deus, como diz o Senhor no evangelho quando conta que o grão do semeador caiu entre os espinhos, e que estes cresceram e sufocaram o que tinha sido semeado (Mt 13,7). [...] Velai portanto para que a vossa vinha não dê espinhos em vez de uvas; para que a vossa vindima não produza vinagre em vez de vinho. Todo aquele que faz a vindima sem dela dar aos pobres recolhe vinagre e não vinho; e aquele que enceleira as suas colheitas de trigo sem delas distribuir aos indigentes, não é o fruto da esmola que põe de reserva, mas os cardos da avareza.

São Máximo de Turim (?-c. 420)



domingo, 17 de março de 2019

DOMINGO DA ORTODOXIA.


pelo Metropolita Paulo (Yazigi) de Aleppo



O que pode pensar um ortodoxo sobre o Domingo da Ortodoxia? A maioria dos pensamentos para esta ocasião tem caráter confessional, destacando a Ortodoxia sobre as demais confissões cristãs. As religiões são, geralmente, caminhos divinos através dos quais Deus desce até o homem e o eleva para Si.

A investigação das religiões é um tema que vai além do que podemos falar, mas não há dúvida que todas as religiões ajudam o homem a praticar uma boa moral, a escutar a voz de sua consciência, a viver em paz e a conviver melhor com os seus semelhantes, sobretudo as que professam um Deus único. Todas estas religiões são como que "fios condutores" nas mãos de Deus, através dos quais Ele atrai a Si os homens. 

Não obstante, o Cristianismo é a revelação divina mais profunda e representa o caminho mais curto que conduz ao céu. A Ortodoxia conservou a Tradição Cristã sem mancha e é, entre as "tradições" cristãs, a mais segura. A doutrina cristã passou ao longo da História, por muitos exames e provas, introduzindo-se, às vezes, elementos humanos e sofrendo desvios, também por causa dos homens. A Ortodoxia conservou a fé ao longo da História e a transmitiu de geração em geração e, a isto, chamamos "Tradição".

"Tradição" não é o mesmo que "tradições". "Tradição" não quer dizer história antiga ou ensinamentos herdados. Tradição significa "transmissão" dos ensinamentos de uma geração a outra. Pois, "Deus é o Deus de nossos pais". E, por isso, a Tradição é movimento e não herança estática.
A Tradição morre se não for transmitida. Recebemos gratuitamente e gratuitamente devemos transmiti-la. A Tradição não é conjunto de ensinamentos, mas o movimento do Espírito Santo na Igreja que transmite a fé, é o "depósito" que se assemelha aos talentos sobre os quais nos ensinou o Senhor que não devemos ocultá-los.
Por isso, quando insistimos que, para a Ortodoxia, a Tradição desempenha um papel importante, queremos dizer que o ensinamento recebido dos Santos padres da Igreja são fundamentais para nós mesmos e para as gerações futuras. Queremos dizer também que a Tradição, na Ortodoxia não é como um museu, mas uma missão. O tempo da Tradição é o tempo importante do passado e é também o tempo do futuro que goza da mesma importância. 

A Ortodoxia, portanto, em seu caráter de tradição cristã pura, quer dizer a doutrina reta de acordo com a fé recebida dos santos Padres, e ainda, que se encontra no mesmo nível de importância que a evangelização. A retidão da doutrina é uma face da moeda e a outra face é a evangelização. A doutrina reta é a garantia de um fundamento correto da evangelização; a evangelização, por sua vez, é a continuidade natural e viva da reta doutrina.

O Espírito de evangelização não é uma atividade adicional na vida da Igreja Ortodoxa,  e o desejo de transmitir a Verdade e a Tradição aos demais, não é só uma ocupação a mais da Igreja, mas o indicador genuíno de que o Corpo de Cristo (a Igreja) está vivo, cresce, permanece e se move. A falta de evangelização não é apenas um defeito parcial da vida da Igreja, mas indica a presença de uma fé corrompida e a adulteração da verdade.

Quando, no Evangelho de hoje, Filipe encontra a Jesus, sai imediatamente em busca de Natanael e, encontrando-o, diz: "encontramos Jesus, o Filho de José, de Nazaré, Aquele sobre quem escreveram Moisés na Lei, e os Profetas". Quem encontra Jesus, se faz imediatamente apóstolo. Ele mesmo, Jesus, disse a seus discípulos, que os enviou como luz ao mundo e como sal à terra. A Ortodoxia é segurança para a evangelização e a verdadeira evangelização é o indício de uma Ortodoxia viva. Por isso São Paulo nos diz: "Ai de mim se não evangelizo".

A Igreja é, segundo a Ortodoxia, o Reino de Deus vivo sobre a terra. A Igreja não é, nem uma instituição nem uma organização. A Igreja é, segundo a Tradição Ortodoxa, o "mundo no mundo". É o "fermento que leveda toda a massa". A Igreja está em diálogo com o mundo exterior e não é seu extremo oposto. Este é a parte dela que ainda não foi levedada. O mundo inteiro foi criado por Deus para ser a "Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica". Em outras palavras, o crente no mundo deve cooperar com a encarnação de Cristo e com a construção de seu Corpo vivo no mundo. O mundo se faz então nosso objetivo e nossa meta. Assumimos como tarefa fazer de todo mundo uma só Igreja. 

Se, neste Domingo da Ortodoxia, dirigimos o olhar ao mundo que nos cerca, veremos, todavia, que estamos só no início do caminho, e que o mundo necessita de nós. A Igreja, então, estabelece diálogo e relação com o mundo exterior num gesto de fermentação e cristianização. A evangelização é o vínculo. E se realiza através do diálogo contínuo e com intenções de quem ama, é fiel e sincero com o outro, com as demais religiões, com o ateísmo e com qualquer outra expressão exterior à Igreja. Todos necessitam de nossa fé. A evangelização não foi nem nunca será para a Ortodoxia um meio de expansão, de autoritarismo, de conquista ou de hegemonia. A evangelização é luz, é um presente, é um dom. A Igreja não é uma instituição que quer expandir-se, mas uma Verdade que deve ser propagada e, quem a recebe, não se torna seu proprietário, mas deixa-se orientar por ela. A história da evangelização da Rússia no primeiro milênio depois de Cristo dá testemunho de que, os russos convertidos ao cristianismo partiram imediatamente para evangelizar os demais.

A evangelização se dá em dois campos diferentes: o primeiro é o campo externo que já mencionamos. O segundo é o campo interno. Relata-se que São João Kronstadt sonhava em sua infância crescer para ir à China auxiliar na evangelização. No entanto, quando entrou na faculdade de teologia, deu-se conta de que sua família e seus vizinhos eram carentes de evangelização. A evangelização interna é uma necessidade pois, um número não pequeno de fiéis tem uma fé superficial. São os que receberam a fé como algo externo e acidental. A mesma Igreja Ortodoxa necessita que os seus filhos sejam evangelizados e, por isso, temos o pregação (sermão), a catequese, a vida pastoral e o fazer com mais força os sacramentos da Igreja na vida de seus filhos. A evangelização interior é necessária na vida pessoal de cada um. Assim também, devemos propagar nossa fé tal como nos é transmitida pela Tradição Ortodoxa, como vida e profundidade, como conhecimento de si mesmo e enamoramento de Deus. A tradição monástica e os modelos de vida pastoral que nos transmitiu esta Tradição e que passaram a fazer parte da mesma, afirmam que hoje é necessário "ir ao mais profundo" da evangelização interior, da pastoral e da ascética.

A evangelização interior é necessária nas igrejas e confissões cristãs. Por muitos fatores e interesses o Corpo de Cristo tem sido fragmentado ao longo da História. O diálogo é uma missão e uma instância fiel à Ortodoxia. A aproximação entre as diversas confissões cristãs é um gesto ortodoxo natural e honesto. O diálogo entre as igrejas não é só uma necessidade, mas uma obrigação de fidelidade à ortodoxia.

Sobre o que deve refletir então um ortodoxo no "Domingo da Ortodoxia"?

A Ortodoxia não é, nem um muro de separação e nem tampouco um ambão por detrás do qual falamos com os demais do alto. A Ortodoxia é um depósito que recebemos tão casualmente como foi privado aos demais. O ortodoxo não tem mérito pelo que pudesse ter recebido este depósito. Mas, tendo-o recebido, tem a responsabilidade de transmiti-lo. O talento nos foi dado como um dom e o fiel deve saber investi-lo bem.

Muitas vezes medimos nossa relação com Deus em base a um comportamento ético simples. O pecado passa a ser a omissão de um dia de jejum ou ter caído em ira etc. Sim, tudo isto é pecado, mas o pecado maior é o que cometemos quando nos omitimos da pregação, ou seja, escondemos o talento recebido. Enquanto que aqueles pecados enfraquecem nossa relação com Deus, ocultar ou esconder o talento nos separa de Deus. Os mandamentos divinos podem ser sintetizados no amor. A Lei tem como objetivo o amor. O objetivo da ética é chegar a sentir paixão pelas coisas divinas. O amor exige do outro. Conhecer a Deus é amá-Lo e, amá-Lo leva necessariamente a anunciá-Lo. O Kondakion deste domingo nos expressa que a encarnação do Filho de Deus unificou nossa imagem com a beleza divina e nos levou a confessar a salvação (a conhecê-la), a proclamá-la e a propagá-la (evangelizar) em palavras e obras.
Que função desempenhamos então em toda esta missão? O que é que devemos examinar todos os anos quando celebramos o "Domingo da Ortodoxia"? A epístola de hoje faz referência a todos aqueles que foram torturados das mais diversas formas e submetidos às prisões. Outros ainda que foram apedrejados, postos a prova ou mortos ao fio da espada. São Paulo menciona os que suportaram tudo isto pela Tradição e pela Fé Ortodoxa, antes e depois de Cristo. Eles, padecendo toda espécie de sofrimentos e torturas, ou até mesmo dando suas vidas para transmitir fielmente o depósito, constituíram-se em modelos para todos nós. Moisés é um dos melhores exemplos pois, recusou ser chamado filho do Faraó, preferindo ser maltratado junto ao povo de Deus, a desfrutar por algum tempo no pecado. Hb 11, 25.

A Ortodoxia é paixão e missão para o fiel, desde que não a tome para si, mas se ponha à seu serviço. O dever de todo o fiel ortodoxo é propagar a Ortodoxia e elegê-la em lugar do gozo temporal do pecado. Acaso não nos alegramos quando chegamos a conhecer a fé e seu passado e a pregamos para o futuro? Os sofrimentos a que muitos são submetidos por causa do Evangelho e de sua pregação constitui a alegria da festa de hoje.

Pelo que Te pedimos, Senhor, 
que nos concedas morrer por Ti todos os dias, 
e que teu Nome seja anunciado 
para que todos os povos da terra 
voltem-se para Ti, Senhor! 
Faze, Senhor, 
que o mundo todo Te conheça de verdade. 
Amém.

sábado, 16 de março de 2019

O Caminho Real e o Perigo do Fanatismo


"Ao rejeitar a visão anti-convertido, Pe. Seraphim também teve cuidado de não ir para o outro extremo, isto é, culpar todos os problemas da Igreja em razão da "etnicidade" dos ortodoxos de berço. Ele percebeu que muitos americanos que eram tão fortemente contra a "etnicidade" do Velho Mundo não estavam cientes de sua própria etnicidade, o que ele chamou de "a mais nova ênfase étnica: o americanismo." "Há muitos", apontou ele, "que dirão: 'Ah, nós não acreditamos no etnicismo, somos americanos.' Mas a América é outra jurisdição étnica. Eles não percebem isso porque eles próprios são americanos." Era um erro, disse ele, os jovens ortodoxos de berço expressarem a sua "crítica fácil de seus anciãos e de seus 'guetos' ortodoxos." Isso era, novamente, sabedoria exterior. Ao descartar algo ou alguém meramente com a base exterior da "etnicidade", alguém pode deixar de encontrar o próprio coração da Ortodoxia, a "tradição viva" levada a cabo através das gerações. "Na Igreja Russa," disse ele", "nós temos muito párocos comuns que são extremamente quietos, que nunca pensariam em fazer cismas e facções, que nunca pensariam em excomungá-lo por várias questões de rigor, que são extremamente longânimes e muitas vezes não dizem muito; e, assim, algumas pessoas os criticam, dizendo coisas como "Ah, eles não guiam seu povo o suficiente, eles não lhes dão o suficiente." Essas críticas são superficiais: nós mesmos devemos estar olhando de modo mais profundo para encontrarmos algo nesses pastores e na Igreja, algo que não é tão óbvio exteriormente — essa exata ligação com o passado." 

"Você não encontrará muitas pessoas que explicarão isso em detalhes assim. Não importa onde você esteja — em uma paróquia ou onde quer que seja — você tem que olhar por trás do que é mais óbvio e tentar receber aquelas coisas que não podem necessariamente ser transmitidas por palavras. Procure as características que vêm de um coração caloroso e amoroso: longanimidade, paciência, fervor — mas não fervor de tal natureza que começa a ser crítico com os outros."



(Hieromonge Damasceno, "Padre Serafim Rose: Sua Vida e Obras", cap. 88.)

A Igreja, como o ícone de Deus...

A Igreja, como o ícone de Deus, é o único lugar onde a liberdade de ser “outro” representa santidade em si mesmo, pois que através de sua estrutura e missão salvífica ela expressa a liberdade de outridade (alteridade) – alteritas. Mantendo-se fiel como ela o faz tanto na Triadologia e na Cristologia, a liberdade de alteridade deve também se manter fiel para eclesiologia, onde os mesmos princípios ontológicos são aplicados. Esta é a razão pela qual falamos, primariamente de um ponto de vista teológico, da sinodalidade tanto da Igreja Ortodoxa como da Igreja Católica. Conceitos ortodoxos e católico- romanos de conciliaridade diferem um do outro mesmo apesar de derivarem da mesma tradição sinodal. Nosso creativo e profundo encontro, não obstante, é benéfico e até necessário se nos esforçarmos em cumprir sinceramente a petição da Oração do Senhor no Gêtsemani. Apesar das diferenças que existem tanto nas interpretações gerais e históricas de uma e mesma tradição conciliar não serem intransponíveis, o fato de superá-las torna-se assustador a menos que seja expressamente prosseguido através de diálogo teológico, donde deriva a eclesiologia. Primazia (ou primus) representa a conditio sine qua non da sinodalidade, mas o contrário também é verdadeiro. Apesar de sua relevância hoje, (em vista da preparação para o Grande e Santo Concílio da Igreja Ortodoxa), nosso estudo sobre conciliaridade não se foca na evolução da conciliaridade na vida da Igreja. Um estudo próximo ao desenvolvimento histórico da Igreja já revela a mensagem ou idéia essencial a qualquer e genuína teologia de sinodalidade. Nosso interesse primário é os elementos eclesiológicos formando esta instituição. Tal aproximação facilita a compreensão da maneira com a qual a eclesiologia fundamental do sínodo permanece imutável apesar da adoção de novas expressões da unidade da Igreja. Na luz destas considerações teológicas, históricas e eclesiológicas, deve-nos estar claro quais diretrizes, relacionadas à instituição do sínodo, deve informar os Cânones da Igreja Ortodoxa no intuito de assegurar que tais conceitos fundamentais como comunidade, alteridade e liberdade permanecem colunas da vida da Igreja.

Dentre as mais essenciais colunas da Igreja está a Eucaristia, cuja natureza é fundamentalmente escatológica. Na Liturgia, vemos a Verdade do Reino de Deus. A Igreja nos provisiona janelas ao reino futuro através de nosso uso litúrgico dos ícones. Desde o começinho do Cristianismo, os ícones foram fundamentais para a teologia, principalmente a Cristologia. Apesar de os meios de expressão derivarem da natureza caída, iconografia refere-se a Verdade inexprimível pelas encorajantes relações pessoais com a Verdade; um ícone adequado cria uma relação pessoal verdadeira. Eis porque um ícone  está indivisivelmente linkado com Amor: não podemos falar sobre Verdade sem Amor, e não podemos falar sobre iconografia que não nos conduz ao Amor, que para um cristão ortodoxo significa a Igreja, onde encontramos o outro em seu verdadeiro estado. Como São Justin (Popovitch) costumava dizer, “Em Igreja somos ensinados a ver (iconicamente) em cada homem nosso futuro (a) irmão (irmã) [tal como ele ou ela são] no Paraíso”. Lá, na Sinaxe (Assembléia) Eucarística, veremos e encontraremos Deus através de nossa comunhão com os outros. Logo, o ícone reúne (numa sinaxe) a comunidade que chamamos de Igreja. O ícone, assim, não é apenas um mero objeto que beijamos e veneramos, mas antes uma eterna sinaxe (assembléia) que existe em momemtos, movimentos e ações durante a Divina Liturgia. Fora da Igreja, não existe o Reino de Deus; dentro da Igreja, tudo é icônico.

 A identificação da auto-semelhança de Cristo com Sua imagem conduz à afirmação de que a Ortodoxia é a Igreja e não uma ideologia. É uma aglomeração de pessoas e, particularmente, uma aglomeração Eucarística de ícones vivos. Isto é o que devemos enfatizar hoje: e não uma internet – on-line – ilusão virtual de comunicação, mas antes o ícone como comunicação visível e verdadeira do Reino; este deve ser o futuro da Ortodoxia, porque tal é o futuro que Cristo prometeu à Sua Igreja. Na Eucaristia, somos ensinados não somente a venerar e cumprimentar os ícones, mas também os outros membros da sinaxe (assembléia), não passando em branco pelos ícones vivos – as pessoas – antes cumprimentando-os e beijando-os. Assim, o ícone é verdadeiramente o método certo de olhar para o mundo. Somente esta aproximação icônica salvará a Ortodoxia do tornar-se uma organização secular conforme a imagem do mundo.

pelo Bispo Maksim Vasiljevitch