SANTA E GRANDE QUARESMA (Mc. 8: 34-9:1)
pelo Metropolita Anthony Bloom de Sourouzh
Em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém
No Evangelho de hoje, o Senhor nos diz que se quisermos ser seguidores de Seus discípulos, devemos tomar nossas cruzes e segui-Lo. E quando pensamos na Cruz do Senhor, pensamos em Sua gradual e dolorosa subida na Cruz, pensamos no caminho da Cruz, no caminho de Sua morte. Em verdade, o Senhor nos chama, se queremos ser-Lhe fiéis, se quisermos ser Seus discípulos, a preparar a caminhada inteira com Ele – quer dizer, todo o caminho.
No entanto, por outro lado, devemos nos lembrar que Ele não nos chama a seguir uma senda que Ele próprio não tenha trilhado. Ele é o Bom Pastor, que anda a frente de Seu rebanho, deixando claro que tudo está claro, que os perigos foram removidos, que podemos andar seguros em Seus passos. Sua chamada a tomarmos nossas cruzes e seguirmo-Lhe é um chamado, ao mesmo tempo, a aceitar a sermos verdadeiros discípulos e também a fazermos isto na certeza de que Ele nunca pedirá de nós aquilo que Ele próprio não pode suportar. Podemos segui-Lo com segurança, mas também com um sentido de paz em nosso coração e nossa mente.
E ainda, o que se segue não está desprovido de tragédia, porque para ser discípulo de Cristo, devemos, tal como a leitura da Epístola em nosso Batismo nos indica, morrer com Ele a fim de ressuscitarmos com Ele. Morrer significa renunciar, num ato de lealdade, de amizade, de solidariedade com Ele, de respeito e veneração por Ele, de reconhecimento do custo de Seu amor por nós, renunciar a tudo que causa a Sua morte. Devemos refletir em tudo que está no interior de nós que nos afasta de Deus, indignos de nós próprios, indignos de Seu amor.
E quando descobrimos, o que quer que seja, decidimos rejeitar para fora de nossas vidas. Podem ser coisas que parecem fáceis, ou pequenas, pode ser coisas que são pesadas e difíceis a rejeitar. Mas devemos imaginar que coisas que parecem ser pequenas nos separam de Deus daquelas coisas que parecem ser grandes para nós. Existe uma história na vida de um asceta a quem duas pessoas vieram; uma cometeu um pecado grave e a outra reconheceu somente uma multidão de pequenos pecados. E para lhe fazer entender que ambos os problemas podem ser destrutivos para a vida delas, disse a primeira para se dirigir a um campo e encontrar o maior pedregulho que pudesse encontrar e trazê-lo, e à outra que colhesse seixos por toda parte. A primeira facilmente encontrou um pedregulho e o trouxe; a outra também encontrou facilmente uma enorme quantidade de seixos. E quando voltaram, ele lhes disse, e agora vão e coloquem de volta exatamente onde encontraram. O primeiro que tinha trazido o grande pedregulho encontrou com facilidade o lugar, pois que estava profundamente impresso na terra. O outro, depois de horas e horas, retornou com todos os seixos, porque tinham sido colhidos por acaso, sendo assim impossível encontrar o local. Assim se passa com nossos pecados: não existe nada que seja pequeno, e não existe nada que seja grande, se – e este ‘se’ é importante – se não encontrarmos lugar para colocá-lo de lado, para rejeitá-lo.
Então, vamos refletir nisto. Nas semanas de preparação à Quaresma, fomos confrontados em seguidas parábolas, em seguidas leituras com imagens de pecado; a cegueira de Bartimeu, o orgulho do Fariseu, a rejeitar seu pai – nosso Deus! – por parte do filho pródigo; confrontamo-nos com a leitura do julgamento no qual fica tão claro que não seremos julgados pela fé em que professamos, mas antes se somos humanos durante nossas vidas, mesmo que simples humanos, perceptivos, cruelmente sensíveis aos sofrimentos de outras pessoas, e o que quer que tenhamos feitos a elas, nossos próximos, tudo que pode ser feito, se amamos o nosso próximo de tal forma como quiséramos ser amados. Então fomos confrontados com os dias finais deste período de preparação, quando semana à semana, o crepúsculo e a escuridão revelados dentro de nós mesmos pelas leituras que se realizaram. Tivéssemos a honestidade de responder à mensagem de Deus?
Em seguida franqueamos em um novo período de tempo, na própria Quaresma, no próprio Jejum; período que é chamado ‘a primavera’ – porque isto significa a palavra ‘quaresma’, um tempo de renovação e de novidade, um tempo em que Deus pode fazer novas as coisas passadas se permitirmos que Ele o faça. Confrontamo-nos com o Domingo da Ortodoxia, o Triunfo da Ortodoxia quando a Igreja proclama que Deus Se tornou homem, que o homem é tão grande, tão vasto, e tão precioso para o Deus que deu Sua própria vida por ele, um Deus de amor sacrificial, um Deus que foi preparado a viver e a morrer por nós porque nos valoriza muito.
E então, o Domingo seguinte, aquele de São Gregório Palamas – a proclamação do fato de que somos verdadeiramente chamados participantes da divina natureza de acordo com a promessa e a palavra de São Pedro em sua Epístola: que Deus quer dar-Se a nós, que a graça divina é o Próprio Deus derramando-Se sobre nós e nos dando uma possibilidade, uma chance, se somos ao menos capazes de responder a isto, em fazer d´Ele o nosso Rei, entroná-Lo como Juíz e Regente de nossa mente, como Aquele que dirige nosso coração, Aquele cuja vontade é a nossa vontade, Aquele que pode purificar-nos mesmo até em nossos corpos de todos os pecados espirituais e carnais.
E agora, veremos um após o outro que a graça de Deus aceita, heroicamente recebida, pode fazer nas pessoas: na pessoa de São João o Clímaco, na pessoa de Santa Maria do Egito, na pessoa de cada pecador lembrado nestes dias, e quem pelo poder, e a graça, e o amor de Deus, mas também, por sua resposta heroica, de todo-coração e sincera provou ser capaz de receber o que Deus estava dando.
E então, virá a Grande Semana Santa; e da luz que irradiou como uma promessa, fraca ou demasiadamente nos Santos, veremos a luz que cega do amor Divino encarnado, daquilo que significa Deus ao dizer que Ele nos ama. E ainda, isto é julgamento, porque se os homens, mulheres, crianças frágeis como nós podem responder como os Santos fizeram, o que diremos a Deus se não respondermos de acordo com Seu próprio amor crucificado e sacrificial?
E então, da escuridão do pecado revelado em nós, à luz da Divina Graça que irradiou através dos Santos e nos Santos, alcançaremos a luz pura, perfeita, revelada em Deus e em cada estágio nos é dito por Deus: vás responder a isto? Não é o horror das trevas suficiente para te fazer tremer? Não é esta visão do que se deve ser feito suficiente para te inspirar? Minha Própria vida e morte por ti não são suficientes para te porem em movimento? É-nos dado uma chance depois da outra para respondermos: vamos fazer isto! Apressemo-nos em fazê-lo! Existe uma passagem no Grande Cânone na qual se diz, Que a mão de Moisés coberta com lepra te convença que Deus pode purificar tua própria vida tomada pela lepra... Sim – se a lepra pode ser limpa pela ação de Deus, toda lepra que nos mancha, destrói-nos na alma, no corpo, que mina a pureza de nosso coração, a escuridão de nossa alma, torna a nossa vontade infiel à nossa própria vocação e ao chamado de Deus, tudo pode ser curado.
E então podemos ingressar nestes dias com esperança, porque um suspiro do Publicano foi suficiente para fazê-lo filho do Reino, restaurando-o em sua plenitude. Tragamos ao menos um suspiro do fundo de nosso coração – e a salvação é nossa.... Glória a Deus, Glória a Deus em todas as coisas.... Amém.