terça-feira, 29 de janeiro de 2019

PAROQUIA



Ao desenvolver uma autêntica compreensão cristã e ortodoxa de nossa vida na Igreja podemos ser por vezes auxiliados dando o verdadeiro significado as palavras que são, as mais óbvias e mais usuais, mas que, no entanto, não são com freqüência bem entendidas. Uma destas palavras é o vocábulo “paróquia”, que também existe em outras línguas sob uma variedade de formas (parohia, parafia, etc...). Utilizada desde as mais antigas origens do Cristianismo para designar uma comunidade cristã local. Aparece nos escritos dos Santos Padres da Igreja e nos cânones promulgados pelos Concílios recentes. O original do grego de paroikia significa “temporário”, ou residência “secundária”.

O “lar” permanente, a Casa, é sempre designado como oikos. E para os cristãos, esta Casa é o Reno de Deus, o Templo onde Deus habita, a Nova Jerusalém. No entanto, por não estarmos ainda lá, Deus estabeleceu para nós na Terra uma casa temporária – a Tenda, onde Jesus, o Verbo Encarnado habita conosco pelo Espírito Santo, da mesma maneira com que habitou com os judeus no deserto quando estavam a caminho da Terra Prometida. Todavia, no Antigo Testamento esta divina presença na Terra tinha somente a forma simbólica de uma Arca do Concerto. No Novo Testamento a comunhão com Deus é direta e real – no Corpo e no Sangue de Cristo.

Logo, a “paróquia”, a paroika nos conduz bem próximos à Casa. Mas, pode servir este propósito somente se não vemos nela “nosso” cumprimento, nem o “nosso” orgulho – ou ainda pior – um clube orientado a “permanentes objetivos” neste mundo, completamente fora do Reino.

A paróquia é o local onde nos oferecemos nós mesmos a Deus, onde ajudamos os outros, onde nós nos tornamos membros da Igreja de Cristo, que é chamada a salvar, não somente a nós como indivíduos, como famílias, como grupos, mas antes o mundo inteiro, guiando-o ao Reino que há-de-vir.

Eis o significado e as implicações que a Igreja atribui a esta palavra simples e tão usual: a Paróquia. Talvez pudéssemos meditar acerca disto antes de cada assembléia paroquial...



por John Meyendorff – Setembro 1981

domingo, 27 de janeiro de 2019

DO BATISMO DE CRISTO AO NOSSO BATISMO.



Que grande mistério foi o batismo de nosso Senhor e Salvador! O Pai faz-Se ouvir do alto do céu, o Filho foi visto na Terra, o Espírito Santo mostrou-Se na forma de uma pomba. Com efeito, não há verdadeiro batismo nem verdadeira remissão dos pecados onde não houver a verdade da Trindade. [...] O batismo que a Igreja dá é único e verdadeiro; só se faz, portanto, uma vez, e ao sermos nele mergulhados uma só vez ficamos purificados e renovados. Purificados, porque deixamos a mancha dos pecados; renovados, porque ressuscitamos para uma vida nova depois de nos termos despido da vida velha do pecado. [...]

Portanto os céus abriram-se no batismo do Senhor, a fim de que, pelo banho do novo nascimento, descobríssemos que o reino do Céus está aberto aos crentes, segundo esta palavra do Senhor: «Ninguém, a menos que nasça da água e do Espírito, poderá entrar no Reino de Deus» (Jo 3,5). Entra, pois, aquele que renasce e que não negligencia a preservação do seu batismo. [...]



Uma vez que Nosso Senhor veio trazer o novo batismo para a salvação do género humano e a remissão de todos os pecados, Ele próprio quis ser o primeiro batizado, não para se despojar do pecado, pois não cometera pecado, mas para santificar as águas do batismo com o fim de destruir os pecados de todos os crentes renascidos pelo batismo.

+ S. Cromácio de Aquiléia, "Sermões sobre a Epifania", 34; CCL 9A, 156-157.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Como surgiu o pecado, se Deus nos criou a sua imagem e semelhança?



Deus nos criou como Seus filhos e nossa semelhança com Ele se dá através da liberdade que nos foi concedida – o livre arbítrio. No Paraíso, tudo era permitido. O homem não tinha necessidades, entendia os animais e falava com o Nosso Senhor, não sentindo dor nem desconforto.

Assim, se merecermos, estaremos no Paraíso, ao lado de Cristo. O demônio, que pecou querendo de criatura ser Criador, se encontra ausente da Luz de Deus, tentando assim os primeiros homens, levando-os a usar o seu livre arbítrio contra a vontade do Pai.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Por que precisamos do perdão pelos nossos pecados?



Que grande mistério foi o batismo de nosso Senhor e Salvador! O Pai faz-Se ouvir do alto do céu, o Filho foi visto na Terra, o Espírito Santo mostrou-Se na forma de uma pomba. Com efeito, não há verdadeiro batismo nem verdadeira remissão dos pecados onde não houver a verdade da Trindade. [...] O batismo que a Igreja dá é único e verdadeiro; só se faz, portanto, uma vez, e ao sermos nele mergulhados uma só vez ficamos purificados e renovados. Purificados, porque deixamos a mancha dos pecados; renovados, porque ressuscitamos para uma vida nova depois de nos termos despido da vida velha do pecado. [...]

Portanto os céus abriram-se no batismo do Senhor, a fim de que, pelo banho do novo nascimento, descobríssemos que o reino do Céus está aberto aos crentes, segundo esta palavra do Senhor: «Ninguém, a menos que nasça da água e do Espírito, poderá entrar no Reino de Deus» (Jo 3,5). Entra, pois, aquele que renasce e que não negligencia a preservação do seu batismo. [...]



Uma vez que Nosso Senhor veio trazer o novo batismo para a salvação do género humano e a remissão de todos os pecados, Ele próprio quis ser o primeiro batizado, não para se despojar do pecado, pois não cometera pecado, mas para santificar as águas do batismo com o fim de destruir os pecados de todos os crentes renascidos pelo batismo.

+ S. Cromácio de Aquiléia, "Sermões sobre a Epifania", 34; CCL 9A, 156-157.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Evangelho segundo São Lucas 17,26-37.



Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como sucedeu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem:

Comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca. Então veio o dilúvio, que os fez perecer a todos.

Do mesmo modo sucedeu nos dias de Lot: Comiam e bebiam, compravam e vendiam, plantavam e construíam.
Mas no dia em que Lot saiu de Sodoma, Deus mandou do céu uma chuva de fogo e enxofre, que os fez perecer a todos.

Assim será no dia em que Se manifestar o Filho do homem.

Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver coisas em casa não desça para as tirar; e quem estiver no campo não volte atrás.
Lembrai-vos da mulher de Lot.

Quem procurar salvar a vida há de perdê-la e quem a perder há de salvá-la.
Eu vos digo que, nessa noite, estarão dois num leito: um será tomado e o outro deixado;
estarão duas mulheres a moer juntamente: uma será tomada e a outra deixada.
Dois homens estarão no campo: um será tomado e outro será deixado».

Então os discípulos perguntaram a Jesus: «Senhor, onde será isto?». Ele respondeu-lhes: «Onde estiver o corpo, aí se juntarão os abutres».

As duas vindas de Cristo


Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a sua primeira vinda, mas também uma segunda, bem mais gloriosa. Com efeito, a primeira foi marcada pelo signo da paciência, enquanto a outra trará o diadema da realeza divina. Aquando da primeira vinda, Ele foi enfaixado e deitado na manjedoura; aquando da segunda, será «envolvido em luz como num manto» (Sl 103,2). Aquando da primeira, suportou a cruz e desprezou a vergonha; aquando da segunda, avançará para a glória escoltado por um exército de anjos.

Não nos basta já apoiarmo-nos na primeira vinda; continuamos à espera da segunda. E, depois de termos dito, aquando da primeira: «Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor!» (Mt 21,9), voltaremos a dizer-Lho aquando da segunda, quando viermos, com os anjos, ao encontro do Senhor para O adorar. O Salvador virá, não para ser novamente julgado, mas para julgar aqueles que julgaram. Ele tinha vindo realizar a salvação e ensinar os homens através da persuasão; nesse dia, porém, tudo submeterá à sua realeza.




São Cirilo de Jerusalém (313-350)
bispo de Jerusalém,
Catequese baptismal 15, 1-3.

sábado, 12 de janeiro de 2019

Evangelho segundo São Lucas 17,7-10.

Ser servo 


Naquele tempo, disse o Senhor: «Quem de vós, tendo um servo a lavrar ou a guardar gado, lhe dirá quando ele volta do campo: ‘Vem depressa sentar-te à mesa’?
Não lhe dirá antes: ‘Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, até que eu tenha comido e bebido. Depois comerás e beberás tu’.

Terá de agradecer ao servo por lhe ter feito o que mandou?
Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: ‘Somos inúteis servos: fizemos o que devíamos fazer’».

Ser servo.


O bispo que vos dirige é vosso servo. [...] Que o Senhor nos conceda, portanto, com a ajuda das vossas preces, ser e permanecer até ao fim o que quiserdes que sejamos [...]; que Ele nos ajude a cumprir o que nos ordenou. Mas, seja quem for que sejamos, não coloqueis em nós a vossa esperança. Permito-me dizer-vos isto como bispo: quero alegrar-me convosco e não ficar inflamado de orgulho. [...] Falo agora ao povo de Deus em nome de Cristo, falo na Igreja de Deus, falo como pobre servo de Deus: não coloqueis a vossa esperança em nós, não ponhais a vossa esperança nos homens. Somos bons? Somos servos. Somos maus? Continuamos a ser servos. Mas os bons, os servos fiéis, são os verdadeiros servos.

Qual é o nosso serviço? Prestai atenção: se tendes fome e não quereis ser ingratos, reparai de que celeiro tiramos as provisões; mas não és tu que tens de decidir em que travessa te é servido aquilo que estás ávido de comer: «Numa casa grande não existem somente vasos de ouro e prata, também os há de madeira e de barro» (2Tm 2,20). [O teu bispo parece-se com] uma travessa de prata, uma travessa de ouro, ou uma travessa de argila? Vê se nessa travessa há pão e quem to deu para que te fosse servido, pois Ele é que é o pão: «Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu» (Jo 6,51). Nós, portanto, servimo-vos Cristo, em lugar de Cristo [...], para que Ele chegue até vós, para que Ele seja o juiz do nosso ministério.



Santo Agostinho (354-430)
bispo de Hipona (norte de África), 
Sermão para a ordenação de um bispo, 3, 9.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A Igreja Ortodoxa não manifesta...




A Igreja Ortodoxa não manifesta a necessidade de estabelecer uma lista qualquer de pecados capitais. A Ortodoxia aborda a noção do pecado antes de tudo sob o Ângulo da espiritualidade, de um ponto de vista teológico e pastoral, o que não é a saída sob uma estrita regulamentação e classificação dos pecados. Esta necessidade de sistematização máxima de tudo, compreendendo o domínio espiritual, é uma característica do Cristianismo ocidental, que não corresponde de maneira alguma ao espírito da Ortodoxia. Na prática da Igreja Ortodoxa, cada pecado sabe bem o seu nome e seu lugar; mas quando falamos do pecado, falamos antes de tudo da alma de uma pessoa concreta, que conhece diferentes estados passageiros e que não podemos englobar em lista alguma. Para a Igreja Ortodoxa, o pecado não se ergue do plano da vida político ou social, é um fenômeno de ordem espiritual: quando o homem age contra a vontade de Deus transgredindo Seus Mandamentos.

pelo Padre Igor Vyavanov.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

A paz é um dom divino...




A paz é um dom divino, concedido generosamente àqueles que se reconciliam com Deus e executam Suas promessas divinas. 

A paz é leve e deixa o pecado, que é escuro. Um pecador nunca pacifica. 

Para lutar contra o pecado e não para provocar a insurreição das paixões dentro de você. Por que, se você luta em batalha com eles, o levante das paixões tornou-se para você uma nova alegria e paz. 

"Para perseguir a paz com todos, perseguir também a Santidade, sem a qual ninguém olhará para o Senhor".

A paz e a santificação são dois pré-requisitos necessários para quem deseja com vontade de ver a face de Deus. A paz é o fundamento sobre o qual o santuário descansa. 

O Santuárionão permanece em um coração incomodado e com raiva. A raiva, quando cronica na Alma, cria a inimizade e o ódio do vizinho. É por isso que é necessária uma rápida reconciliação com nosso irmão, para que não sejamos privados da graça de Deus que santifica nosso coração. 

Aquele que se agrupa consigo mesmo, paz e com o próximo, ele também paz com Deus. Tal homem é santo, porque o próprio Deus habita nele.



São Nektarios de Pentapolis.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Evangelho segundo São João 1,35-42.

Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna. João 6, 68


Naquele tempo, estava João Batista com dois dos seus discípulos e, vendo Jesus que passava, disse: «Eis o Cordeiro de Deus».
Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras e seguiram Jesus.
Entretanto, Jesus voltou-Se; e, ao ver que O seguiam, disse-lhes: «Que procurais?» Eles responderam: «Rabi», que quer dizer Mestre, «onde moras?»
Disse-lhes Jesus: «Vinde ver». Eles foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia. Era por volta das quatro horas da tarde.
André, irmão de Simão Pedro, foi um dos que ouviram João e seguiram Jesus.
Foi procurar primeiro seu irmão Simão e disse-lhe: «Encontrámos o Messias», que quer dizer Cristo; e levou-o a Jesus. Fitando nele os olhos, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas». que quer dizer Pedro.

Seguir o Cordeiro de Deus


Jesus é Filho do homem, por causa de Adão e por causa da Virgem, de quem descende. […] É Cristo, o Ungido, por causa da sua divindade; esta divindade é a unção da sua humanidade […], presença total daquele que assim O consagra. […] Ele é o caminho, porque é Ele quem nos conduz. Ele é a porta, porque nos introduz no Reino. Ele é o Pastor, porque conduz o seu rebanho para as pastagens, e o leva a beber nas águas refrescantes; mostra-lhe o caminho a seguir e defende-o dos animais selvagens; vai buscar a ovelha errante, encontra a ovelha perdida, trata da ovelha ferida, guarda as ovelhas que estão de boa saúde e, graças às palavras que lhe inspira o seu saber de pastor, reúne-as no aprisco das alturas.

Ele é também a ovelha, porque é a vítima. Ele é o Cordeiro, porque é sem mancha. Ele é o sumo sacerdote, porque oferece o sacrifício. Ele é sacerdote da ordem de Melquisedeque, porque não tem mãe no Céu nem pai nem Terra, não tem genealogia nas alturas, porque – diz a Escritura – «quem contará a sua geração?» E também é Melquisedeque porque é o Rei de Salém, o Rei da paz, o Rei da justiça. […] Eis os nomes do Filho, Jesus Cristo «o mesmo ontem, hoje e sempre», corporal e espiritualmente, «e assim para sempre». Ámen.



São Gregório de Nazianzo (330-390)
Discurso Teológico 4

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Evangelho de São Marcos 10:11-16.




11 Ao que lhes respondeu: Qualquer que repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra ela; 12 e se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério. 13 Então lhe traziam algumas crianças para que as tocasse; mas os discípulos o repreenderam. 14 Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim as crianças, e não as impeçais, porque de tais é o reino de Deus. 15 Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como criança, de maneira nenhuma entrará nele. 16 E, tomando-as nos seus braços, as abençoou, pondo as mãos sobre elas.

† † †

ENSINO DOS SANTOS PADRES

Receber o Reino Como Criança


Quando os três magos foram conduzidos pelo esplendor de uma nova estrela para virem adorar a Jesus, eles não o viram expulsando a demônios, ressuscitando aos mortos, dando vista aos cegos, curando os aleijados, dando a faculdade de falar aos mudos, ou qualquer outro ato que revelava seu poder divino; mas viram a um menino que guardava silêncio, tranquilo, confiado aos cuidados de sua mãe. Não aparecia nele nenhum sinal de seu poder, mas lhes ofereceu a visão de um grande espetáculo: sua humildade. Por isso, o espetáculo deste santo menino, o Filho de Deus, apresentava aos seus olhares um ensinamento que mais tarde devia ser proclamado, e o que ainda não proferia o som de sua voz, o simples fato de ver-lhe fazia já que ele o ensinasse.

Toda a vitória do Salvador, que subjugou o diabo e ao mundo, começou pela humildade e se consumou pela humildade. Começou na perseguição seus dias assinalados, e também os terminou na perseguição. Ao menino não lhe tem faltado o sofrimento, e ao que fora chamado a sofrer não lhe faltou a simplicidade da infância, pois o Unigênito de Deus aceitou, só pela humilhação de sua majestade, nascer voluntariamente homem e poder ser morto pelos homens.

Se, pelo privilégio de sua humildade, Deus onipotente tem tornado boa nossa causa tão má, e se destruiu a morte e ao autor da morte, não repelindo o que lhe faziam sofrer os perseguidores, mas suportando com grande brandura e por obediência a seu Pai as crueldades dos que se levantavam contra ele, quanto mais nós temos de ser humildes e pacientes, visto que, se nos advém alguma provação, isto nunca acontece sem tê-la merecido? Quem se gloriará de ter um coração casto e de estar limpo de pecado? E, como disse São João, se disser-mos que não temos pecado nos enganaríamos a nós mesmos e a verdade não estaria conosco. Quem se encontrará livre de falta, de modo que a justiça nada tenha de que reprovar-lhe ou a misericórdia divina que perdoar-lhe?

Por isso, amadíssimos, a prática da sabedoria cristã não consiste nem na abundância de palavras, nem na habilidade para discutir, nem no desejo de louvor e de glória, mas na sincera e voluntária humildade, que o Senhor Jesus Cristo tem escolhido e ensinado como verdadeira força desde o seio de sua mãe até o suplício da cruz. Pois quando seus discípulos disputaram entre si, como narra o evangelista, quem será o maior no Reino dos Céus, ele, chamando para junto de si um menino, colocou-o no meio deles e disse: em verdade vos digo, se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. Pois o que se humilhar até fazer-se semelhante a uma destas crianças, este será grande no Reino dos Céus.

Cristo ama a infância, que ele mesmo viveu ao princípio em sua alma e em seu corpo. Cristo ama a infância, mestra da humildade, regra da inocência, modelo de simplicidade. Cristo ama a infância; para ela orienta os costumes dos maiores, para ela conduz a ancianidade. Aos que eleva ao reino eterno os atrai a seu próprio exemplo. Mas se quisermos ser capazes de compreender perfeitamente como é possível chegar a uma conversão tão admirável, e por qual transformação temos de ir à idade dos meninos, deixemos que São Paulo nos instrua e nos diga: Não sejais crianças quanto ao modo de julgar: na malícia, sim, sede crianças, porém adultos no juízo. Não se trata, pois, de voltar aos jogos da infância nem às imperfeições do começo, mas em tomar uma coisa que convém também aos anos da maturidade, ou seja, que nossas agitações interiores passem prontamente, que rapidamente encontremos a paz, não guardemos rancor pelas ofensas, nem cobicemos as honras, mas amemos estarmos unidos, e guardemos uma igualdade conforme a natureza. É um grande bem, de fato, que não saibamos alimentar nem ter gosto pelo mal, pois inferir e devolver injúria é própria da sabedoria deste mundo. Pelo contrário, não devolver mal por mal é próprio da infância espiritual, toda cheia de equanimidade cristã.

A esta semelhança com as crianças nos convida, amadíssimos, o mistério da festa de hoje. Essa “é a forma de humildade que nos ensina o Salvador menino adorado pelos magos.”



São Leão, o Grande, Papa de Roma (Séc. V).